Foto: Itana Alencar/G1 BA

O percentual de detentos do sistema prisional da Bahia, infectados pela Covid-19, é maior que o de servidores penais. O monitoramento aponta que 2.131 testes de Covid-19 foram realizados entre servidores dos presídios baianos, enquanto apenas 165 foram realizados entre detentos: um número quase 13 vezes menor, se comparado à testagem entre agentes.

Os dados analisados são relacionados à quantidade de testes feitos entre encarcerados e trabalhadores das penitenciárias. O levantamento divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi feito pelos Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (GMFs) de Tribunais de Justiça.

A incidência maior na testagem pode ser explicada pelo fato de que os servidores têm mais convívio com pessoas fora dos presídios, enquanto os detidos estão em um ambiente controlado. O G1 entrou em contato com a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização da Bahia (Seap) para saber como o monitoramento é feito entre os servidores, mas não obteve resposta.

As visitações nas unidades prisionais baianas estão suspensas desde março, quando o estado registrou os primeiros casos de coronavírus, e não têm previsão de serem retomadas por causa dos riscos de contaminação. Por causa disso, familiares de detentos fizeram um protesto em frente ao Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador, na quarta-feira (29).

Apesar do volume de testes para detectar a Covid-19 ser superior entre os agentes, a incidência da doença tende a ser maior entre os detidos. Dos 165 testes feitos entre as pessoas privadas de liberdade, 43 deram positivo, um percentual de 26%. Já entre os servidores, do total de 2.131 testes feitos, 352 foram positivos, o que representa um percentual de 16,5%, portanto, menor.

O percentual de detentos testados fica ainda menor se a comparação for feita com o total de pessoas encarceradas no estado. Das 12.831 pessoas que estão abrigadas em uma das 28 unidades prisionais da Bahia atualmente, apenas 1,2% fez o teste de detecção do coronavírus.

O G1 não contabilizou os dados de presos em regime domiciliar e em saída temporária para comparação de percentual dos testes, apenas dos que estão nas unidades. Não é possível fazer a mesma análise com relação ao percentual total de servidores das penitenciárias, porque o quantitativo de trabalhadores não é divulgado por questões de segurança pública.

A premissa de que o índice de resultados positivos está diretamente relacionada ao volume de testes não se aplica à situação, se a análise for feita, por exemplo, em comparação com os estados de São Paulo e Sergipe, que ocupam o primeiro e último lugar no ranking de testagem entre presos, respectivamente.

De acordo com o levantamento, o estado paulista fez o teste em 5.970 detentos, sendo que 350 deles deram positivo para a Covid-19: 5,8% do total de testados – um percentual bem abaixo que o da Bahia.

Enquanto isso, o estado sergipano, que testou apenas 37 presos, recebeu diagnóstico positivo para coronavírus de 14 deles, representando 37,8% – um percentual bem acima que o baiano, apesar da menor quantidade de testes feitos.

As mostras divulgadas pelo CNJ são as mais recentes e correspondem a dados coletados até o dia 15 de julho. É possível que os números tenham sido atualizados até a data de publicação desta reportagem, no entanto, eles ainda não foram divulgados.

Detentos custodiados no Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Apesar dos detidos estarem em um ambiente controlado e não terem contato direto com o meio externo, um fator que facilita a contaminação é a quantidade de pessoas juntas em um mesmo lugar, como explica o médico infectologista Adriano Oliveira.

“A partir de um contaminado, a chance de ter vários casos entre os presos é maior, porque há um contato grande entre um e outro, como por exemplo no banho de sol, onde todo mundo tem contato com todo mundo. Além disso, eles ficam em celas que muitas vezes estão em superpopulação, e aí tem tudo o que não deve ter para controle do coronavírus, que é a aglomeração”, disse.

Apesar da análise das amostras de testes apontarem que a Covid-19 é mais incidente entre os detentos, com os mesmos dados é possível dizer que a doença é mais letal entre os servidores: quatro trabalhadores dos presídios baianos já morreram por causa do coronavírus e nenhuma morte de presidiários pela doença foi registrada.

A primeira morte por Covid-19 entre agentes penitenciários na Bahia foi confirmada no dia 10 de maio. O monitor Roberto Luís dos Santos Batista, que não teve idade divulgada, trabalhava no Conjunto Penal Masculino de Salvador, que fica no no Complexo Penitenciário da Mata Escura.

Agente penitenciário — Foto: Natinho Rodrigues/SVM

Insegurança entre servidores

O monitoramento divulgado pelo CNJ também detalha os recursos financeiros que os estados aplicaram para a prevenção e controle da Covid-19 no sistema prisional, seja por recursos enviados pelo governo federal, proveniente do trabalho dos próprios detentos, disponibilizado pelas secretarias estaduais ou renunciados por Tribunais de Justiça.

Os investimentos financeiros da Bahia não foram informados no levantamento feito pelos GMFs. O G1 também questionou à Seap o motivo desses valores não terem sido divulgados, bem como se houve recursos enviados pelo governo federal e investidos diretamente pelo governo estadual, mas também não obteve resposta.

Os valores investidos para prevenção e controle do coronavírus nos presídios geralmente são usados para compra de testes de detecção da doença, equipamentos de proteção individual (EPIs) e materiais de higiene e limpeza. Esses detalhes também não foram informados pela Seap.

Máscaras de proteção contra coronavírus — Foto: Divulgação/ Prefeitura de Piracicaba

Apesar de não detalhar quantidade, o vice-presidente do sindicato, Fernando Fernandes, disse que a Seap oferece materiais de prevenção. “A Secretaria de Administração Penitenciária tem fornecido máscaras, de baixa qualidade. Tem fornecido álcool em gel e também álcool líquido, que não é adequado”, avaliou ele.

Perguntado sobre as maiores queixas da categoria com relação à situação do coronavírus entre os servidores e as medidas empregadas pela Seap, o vice-presidente do Sinspeb disse que o que mais preocupa os trabalhadores é a falta de aplicação de um protocolo de biossegurança, que são as normas estabelecidas pelas entidades mundiais de Saúde para proteger população e profissionais.

“A falta [da aplicação] de um protocolo de biossegurança é o fator principal que aflige os servidores. Fizemos vários ofícios, inclusive antes da contaminação descontrolada acontecer. Muito tempo depois eles apresentaram um protocolo, mas que pouco se segue. Eles criam protocolos apenas para prestar contas aos órgãos, mas na prática não cobram o cumprimento”, pontuou Fernando. O vice-presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários também falou sobre a demora da Seap em fornecer os resultados dos testes dos servidores, o que dificulta o afastamento dos trabalhadores.

“Tem um caso mesmo, que o servidor lotado no Conjunto Penal de Feira de Santana começou a apresentar sintomas de Covid-19 no início de julho. Fez exame Swab dia 11, o resultado não saiu. Ele refez o teste no dia 17, e dia 23 ainda não havia obtido o resultado. Eu fui até a superintendência cobrar respostas, aí foi que o resultado foi disponibilizado, que por sinal já estava pronto desde o dia 19 e positivo para Covid-19. Detalhe que o servidor permaneceu trabalhando, mesmo com os sintomas, durante todo esse período. Quantos ele acabou contaminando nesse período?”, questionou Fernandes. G1