A maioria dos cientistas já chegou à conclusão de que é praticamente impossível eliminar o Aedes aegypti da face da Terra. Nativo do Egito – daí o nome aegypti –, ele é a espécie invasora mais famosa do Brasil. O mosquito é transmissor de doenças perigosas: a dengue, a zika, a chikungunya e a febre amarela. O Aedes é um seguidor do ser humano.

“Ele vive onde o homem está”, resume Gabriel Sylvestre, líder de pesquisa e desenvolvimento, comunicação e engajamento do World Mosquito Program no Brasil. Estudiosos trabalham, atualmente, com diversas frentes de ataque.

Já está mais do que claro que é preciso controlar a população do Aedes para reduzir os casos de doenças a níveis mínimos aceitáveis. No entanto, como é nitidamente impossível eliminá-lo por completo, é necessário pelo menos impedir que o Aedes continue sendo um vetor de doenças.

Mosquito viajante

Aedes aegypti é tipicamente doméstico. Mas gosta de viajar. Ele seguiu os seres humanos ao longo das últimas décadas e hoje está principalmente nas áreas urbanas de zonas tropicais e subtropicais. Voa baixo e chega facilmente à nossa pele. Embora o macho do mosquito se alimente do néctar das plantas, a fêmea precisa dos nutrientes do nosso sangue para produzir ovos.

A rápida expansão das áreas urbanas e a facilitação da mobilidade das pessoas ao longo das últimas décadas ajudaram o mosquito a se espalhar. É um inseto silencioso, que usa como “criadouros” os pontos de água limpa e parada produzidos involuntariamente pelos seres humano.

O Aedes depende de nós para se reproduzir. E se reproduz muito. Segundo Sylvestre, o mosquito vive somente por 30 dias e, portanto, precisa deixar vários filhotes nesse prazo bem curto.

A fêmea deposita cerca de 100 ovos toda vez que pica uma pessoa. Pode dar vida a mil mosquitos por mês. Quando caem na água, os ovos geram larvas, que, por sua vez, viram novos mosquitos. As larvas só crescem na água, mas os ovos podem resistir por meses em áreas secas: continuam “viáveis”, esperando uma chuva para iniciar o desenvolvimento.

Erradicar o mosquito?

Segundo o diretor do Instituto Leônidas & Maria Deane da Fiocruz Amazônia, Sérgio Luz, já não se cogita mais “erradicar” o mosquito. Fala-se de controle. “Isto é aceitável: controlar o número de mosquitos em um nível tão baixo que não vai proporcionar grande transmissão de doenças”, diz o pesquisador.

Do Norte da África, o Aedes se espalhou para muitas outras partes do mundo nos navios de escravos do século 16 e em outras expedições marítimas. Os primeiros documentos sobre ele datam de 1762.

Ele gosta de clima quente e isso foi essencial para ficar no Brasil. “É uma espécie exótica, chegou ainda na época da colonização e se estabeleceu muito bem”, conta Sylvestre. “Está presente no país inteiro, não é exclusivo de algumas cidades. Está em qualquer área urbana brasileira.”

Há relatos de chegada do Aedes principalmente no século 19, em Curitiba (PR) e, no início do século 20, em Niterói (RJ), quando causava surtos de febre amarela urbana. Alguns pesquisadores acreditam que ele tenha começado a entrar também por via terrestre, pelo Paraguai.

A falta de saneamento básico e o escasso fornecimento de água encanada fazia com que as pessoas precisassem acumular água em reservatórios e vasilhas, lugares ideais para a fêmea do mosquito.

Com os estudos e esforços do médico sanitarista Oswaldo Cruz, o Brasil controlou o mosquito nos anos 1920 e chegou a declará-lo como “erradicado” na década de 1950. Mas, já resistente aos inseticidas tradicionais, o Aedes aegypti retornou nos anos 1960 para nunca mais nos deixar.

Carro do fumacê usado no DF em combate ao mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, chikungunya, febre amarela e vírus zika — Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília

Carro do fumacê usado no DF em combate ao mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, chikungunya, febre amarela e vírus zika — Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília

Mosquito vetor de doenças

Ele só pica os seres humanos. E por, isso, é o principal transmissor de doenças potencialmente graves e já bem conhecidas dos brasileiros. A dengue ainda é uma epidemia em mais de 100 países.

É também a doença viral transmitida por mosquitos que se espalha mais rapidamente – houve um aumento de 30 vezes no número de casos nos últimos 50 anos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).

O coordenador da Unidade de Ecologia e Gestão de Vetores da OMS, Dr. Raman Velayudhan, disse ao G1 que, por causa das dificuldades dos países no combate ao Aedes aegypti e a falta de investimentos públicos, as metas para reduzir o número de casos e mortes terão de ser revisadas.

“Precisamos aumentar radicalmente as intervenções para controle desse vetor de forma sustentável nos centros urbanos”, diz Velayudhan, da OMS. Para isso, ele avalia que é essencial envolver as comunidades, escolas e empresas.

Em 2010, foram registrados 2,2 milhões de casos nos países membros da organização. Seis anos depois, foram 3,34 milhões de casos. A meta, por enquanto, ainda é reduzir a mortalidade de dengue em pelo menos 50% até 2020, em relação aos níveis de 2012.

Mas em alguns países a dengue ainda cresce. No Brasil, só neste ano foram 451.685 casos, até 13 de abril, um aumento de 339,9% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o Ministério da Saúde.

Conforme o mosquito se adapta a novos climas e habitats, a dengue vai se espalhando para novos lugares. E, de alguns anos para cá, o Aedes aegypti começou também a espalhar os vírus da zika e da chikungunya.

Foram notificados 3.085 casos de zika em todo o país, com incidência de 1,5 caso para cada 100 mil habitantes, e 24.120 casos de chikungunya, com incidência de 11,6 para cada 100 mil habitantes.

Larvas do Aedes aegypti no laboratório da Oxitec, em Campinas. O mosquito é transmissor de doenças como a dengue, chikungunya e do vírus zika, causador da microcefalia — Foto: Paulo Whitaker/Reuters

Larvas do Aedes aegypti no laboratório da Oxitec, em Campinas. O mosquito é transmissor de doenças como a dengue, chikungunya e do vírus zika, causador da microcefalia — Foto: Paulo Whitaker/Reuters

Evitar a disseminação do mosquito

De acordo com Sérgio Luz, por mais que se estudem novas formas de combater o Aedes aegypti, as medidas clássicas de combate não podem ser relaxadas. A forma tradicional ainda é essencial: impedir que o mosquito bote ovos na água e continue se espalhando por aí.

Para isso, é preciso jamais deixar água parada em recipientes, calhas, pneus, vasos de plantas e terrenos. Qualquer ponto com água é um possível ninho do Aedes.

“É o mínimo que cada pessoa tem que fazer. As pessoas sempre acham que o problema é na casa do vizinho, por isso temos que insistir na eliminação da água parada”, afirma Luz.

Ele lembra dos chamados “10 minutos da dengue”, isto é, a ideia de dedicar, toda semana, ao menos 10 minutos para conferir a casa, procurando acabar com eventuais pontos de água parada.

Inibir o apetite do mosquito

Especialistas chamam de “controle vetorial” os métodos que procuram reduzir a população de mosquitos. Segundo a bioquímica Laura Duvall, pesquisadora na Rockefeller University, nos Estados Unidos, o Aedes aegypti é “surpreendentemente bom em se tornar resistente a inseticidas”.

As mutações estão entre os fatores que levam a espécie a ficar mais forte. Mas, também, a seleção provocada pelos venenos.

“Depois da exposição ao inseticida, os mosquitos que não carregam genes resistentes morrem, permitindo que os resistentes sobrevivam e se reproduzam, criando ainda mais resistência”, explica a pesquisadora Laura Duvall.

Diante disso, seu estudo usa uma droga para inibir o apetite da fêmea do mosquito. “Numa situação normal, depois de sugar sangue, ela perde interesse em picar pessoas por vários dias, enquanto usa a proteína do sangue para gerar ovos”, diz.

Observando isso, cientistas identificaram os elementos que suprimem seu apetite nesse período e deram a mosquitos um remédio que dá sensação de saciedade. “É uma estratégia única porque tem como alvo o comportamento do mosquito, em vez de tentar matá-lo ou repeli-lo.”

Uma armadilha para o mosquito

Outras pesquisas se baseiam em aspectos comportamentais do Aedes. Como ele é capaz de encontrar água parada nos lugares mais invisíveis para nós, humanos, pesquisadores da Fiocruz Amazônia estão usando o próprio mosquito para espalhar veneno contra suas larvas.

“Nos anos 90, um estudo japonês mostrou que o mosquito é capaz de carregar larvicida de um lado para o outro”, explica Sérgio Luz. Com base nisso, criaram-se no Brasil pequenos recipientes com água “contaminados” com um veneno que mata a larva do Aedes.

“Partículas do larvicida grudam nas patas e em partes do corpo do mosquito. Por instinto, ele bota ovos em vários lugares e acaba levando o larvicida para outros pontos”, conta Sérgio Luz.

Ao serem espalhadas de forma estratégica em bairros residenciais – 1 a cada 10 casas, por exemplo – as chamadas “estações disseminadoras” funcionam como uma armadilha.

“Assim como a abelha leva o pó de uma flor para outra, o mosquito acaba transportando o larvicida por onde passa”, explica Luz. O estudo começou no Amazonas, mas já apresentou bons resultados e está implantando em 13 cidades do país.

Blindar o mosquito

Diante da difícil tarefa de conter o aumento da população de mosquitos, alguns cientistas também promovem ações para, pelo menos, evitar que o Aedes leve doenças mortais aos seres humanos. A pesquisa da Fiocruz no Rio de Janeiro, como parte do projeto global “World Mosquito Program”, vai nesse sentido.

O chamado “método Wolbachia” implanta a bactéria com esse nome no organismo do mosquito e “blinda” o mosquito, impedindo que ele seja transmissor dos vírus causadores de doenças. “A gente consegue usar o próprio mosquito para combater a transmissão”, diz Gabriel Sylvestre.

A bactéria Wolbachia foi encontrada por cientistas australianos na famosa “mosca da fruta”, a drosófila. Em 2009, divulgaram um estudo mostrando que, quando o Aedes aegypti é portador da Wolbachia, ele não transmite doenças.

Os pesquisadores produzem em laboratório milhões de mosquitos com Wolbachia e os soltam em regiões afetadas. Há indícios de que, ao se reproduzirem, os mosquitos portadores da bactéria podem ser mais numerosos que aqueles sem Wolbachia e, portanto, causadores de doenças.

“São 10 a 20 semanas de liberação [de mosquitos], uma vez por semana. O número de mosquitos é proporcional ao tamanho da área: a cada 50 metros, soltamos de 100 a 150 mosquitos, por exemplo”, detalha Gabriel Sylvestre.

No Rio de Janeiro, o laboratório da Fiocruz produz 3 milhões de ovos de mosquitos e mantém 2 milhões de mosquitos adultos, com a bactéria Wolbachia. “É uma bactéria que já está na natureza em 60% dos insetos. Tudo foi testado e ela não faz mal para outros animais nem para o ser humano”, afirma, notando que o projeto não cria mosquitos geneticamente modificados.

Embora trabalhem em diferentes frentes de combate à espécie exótica mais famosa do Brasil, os pesquisadores tendem a ser unânimes ao afirmar: todas as pesquisas e ações são complementares. Nenhuma iniciativa, sozinha, será capaz de tirar o Aedes aegypti da nossa lista de problemas.