A Polícia Federal (PF) e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) afirmam ter encontrado provas “precisas e incontestáveis” que “correspondem com exatidão” ao que disse o ex-PM Élcio de Queiroz em sua delação premiada no caso da morte de Marielle Franco e Anderson Gomes.

Élcio confessou ter dirigido o Cobalt no encalço a Marielle e afirmou que o também ex-PM Ronnie Lessa de fato fez os disparos que mataram a vereadora. Os dois estão presos desde 2019 e vão ser julgados no Tribunal do Júri, ainda sem data.

1. O aplicativo Confide

O que diz a delação

No depoimento, Élcio diz que a comunicação sobre o crime foi pelo Confide, aplicativo que diz ter três camadas de segurança — criptografia, autoapagamento das mensagens e proteção contra capturas de tela.

“Eu tratava de assuntos triviais pelo WhatsApp normal, mas quando era alguma coisa assim muito reservada, aí eu tratava no Confide”, afirmou. “Podia até ser uma traição, digamos assim uma mulher; mas poderia ser alguma coisa relacionada a alguma coisa que não fosse legal; uma coisa que se tratasse de uma ilegalidade, vamos dizer assim.”

A prova da PF

A partir de dados em nuvem e do conteúdo da extração dos telefones celulares apreendidos, segundo a PF, “foram encontradas diversas evidências sobre o uso do Confide por parte de Lessa, Élcio e outras pessoas relacionadas a ambos”.

Em uma das mensagens interceptadas, Lessa pede ao destinatário: “Baixa o Confide aí. Te mandei um convite via mensagem.”

2. A vigilância na Casa das Pretas

O que diz a delação

Élcio descreveu com detalhes o que aconteceu no interior do Cobalt durante a vigilância realizada na Rua dos Inválidos, onde Marielle estava.

A prova da PF

A PF diz que os fatos “encontram respaldo nas provas técnicas produzidas na investigação de origem, mais precisamente, no Relatório de Análise de Imagens Preliminar”.

Veja em detalhes.

2.1 Mudança de lugar

Élcio: “Ele começou a arriar o banco [do carona]; deixou totalmente na horizontal para passar para trás, na parte do banco de trás; nisso que ele vai pra parte de trás, não tem como ele levar a perna, isso que eu tinha que ajudar; conduzir a perna dele”.

Ronnie usa uma perna mecânica desde que sofreu um atentado, anos antes da emboscada a Marielle, e mesmo com a prótese tem dificuldade em andar.

Prova da PF: “Se identifica um ocupante no banco do carona às 18:56:39, e, após um balanço anormal constatado às 19:00:36, se identifica, às 19:00:53, uma pessoa mexendo no celular no banco traseiro, e, às 19:02:56, o surgimento de um braço pelo visual do vidro traseiro”.

2.2 O ar-condicionado

Élcio: “O carro desligado e totalmente fechado. Aí foi abafando, abafando… nesse momento ele falou assim: ‘Cara, tá abafado, então liga aí só o ar-condicionado…. liga aí se não tiver jeito”. Eu falei que estava embaçando os vidros, ‘vai chamar atenção’. Mesmo não acionando a lanterna no momento que liga, o painel acende e vem aquela luminosidade; ele percebeu e mandou uma touca ninja tapar a claridade. Eu tapei”.

Prova da PF: “Às 18:58:13, constata-se uma luminosidade no reflexo do vidro antes mesmo de o carro estacionar, e é descartada a possibilidade de se tratar da luminosidade oriunda de um aparelho celular. Se torna crível que a luminosidade em questão fosse de fato a luz do painel do Cobalt, notadamente pelo fato de a luminosidade estar presente antes de o veículo estacionar e depois apresentar um padrão intermitente até se apagar em definitivo. Tal padrão é explicado pelo fato de o carro ser desligado logo após a parada, religado por conta da necessidade de acionamento do ar-condicionado e, finalmente, desaparecer ao ser ofuscada pela touca ninja passada por Lessa a Élcio”.

2.3 Luz do celular

Élcio: “[Marielle] apareceu. Nisso ele [Ronnie] tá no banco de trás, já com o telefone verificando se teria algum obstáculo na frente, alguma operação da Polícia Militar, nesse sentido”.

Prova da PF: “Élcio pontuou que Lessa, após passar para o banco traseiro, começa a utilizar às 19:00:53 um celular com o qual teria, inclusive, consultado sobre eventuais fiscalizações policiais”.

3. A dinâmica dos disparos

O que diz a delação

Élcio conta que ao entrar no Largo do Estácio visualizou um Ágile parado transversalmente esperando a passagem de um veículo para acessar a Rua João Paulo I, que dá acesso ao Viaduto Paulo de Frontin.

“A gente avança [o sinal], e eu entro a primeira a direita naquele largo do Estácio, o carro [de Marielle] estava parado transversalmente e aguardando um veículo passar por ele pra ele poder entrar naquela rua [João Paulo I]. O veículo estava parado esperando uma oportunidade pra poder entrar, e nesse momento ele falou: ‘É agora, emparelha’.

Eu emparelhei e botei a minha janela paralela do carona do carro do Anderson; não vi, pois o vidro é escuro; ele já estava com o vidro aberto e eu só escutei a rajada; começou a cair umas cápsulas na minha cabeça e no meu pescoço; quem pensa que silencioso…mas faz um barulho danado. Ele falou “vão bora”; eu nem vi se acertou quem, se não acertou.”

A prova da PF

“O evento descrito pelo colaborador se mostra em consonância com o Laudo de Exame em Local de Duplo Homicídio, que aponta o emparelhamento dos veículos no momento dos disparos.”

4. O retorno para a Barra da Tijuca

O que diz a delação

Élcio relatou que, após o atentado, seguiu com o Cobalt para a residência da mãe de Ronnie, no Méier, onde deixaram o Cobalt. Chegando ao local entregaram a bolsa com a arma do crime e demais petrechos para Denis, irmão de Ronnie, e embarcaram em um táxi em direção à Barra.

“Ele [Ronnie] tocou lá e chamou… desceu o irmão dele, e ele pediu para o irmão arrumar um táxi. Pediu pra eu pegar a bolsa no carro [Cobalt]. Entreguei a bolsa a ele; ele pegou e pediu pro irmão dele guardar. O irmão falou que iria guardar e aproveitar pra pedir um carro da Táxi Meier.”

A prova da PF

“A cooperativa remeteu as informações da corrida solicitada por Denis Lessa às 21h48, em que este solicita um táxi com destino à Barra da Tijuca. Além disso, a cooperativa forneceu os respectivos dados de rastreamento por GPS da corrida.”

“De acordo com a resposta da Táxi Méier, o horário da chegada da dupla à Rua Prefeito Dulcídio Cardoso, Barra da Tijuca, local em que desceram e embarcaram na Evoque de Lessa em direção ao Resenha Bar, foi às 22h29, sendo certo que o mencionado relatório indica que o efetivo deslocamento físico do telefone de Élcio ocorreu às 22h30, por meio da conexão à ERB 724- 39-32101-23342 [antena de celular].”

‘Definitivo e irrefutável”

A PF afirma que diante das informações da Táxi Méier “se esclarece de maneira definitiva e irrefutável a forma pela qual os executores de Marielle Franco e Anderson Gomes retornaram para a Barra da Tijuca naquela noite”.

“Essa obscuridade remanescia na mente de todos aqueles que buscavam respostas para as mais simples perguntas que até então não se tinha a menor perspectiva de serem reveladas nos últimos cinco anos e meio, o que gerava, inclusive, argumentos para a defesa dos executores questionarem as provas até então produzidas no bojo do procedimento”, disse a PF.

Saiba mais sobre a delação

O motorista do atentado foi convencido a fazer uma delação premiada após desconfiar de Ronnie. O então amigo de décadas teria dito que não fez nenhuma pesquisa sobre Marielle — o que a PF descobriu ser uma mentira.

A partir das declarações de Élcio, preso desde 2019 pelo atentado, a força-tarefa deflagrou nesta segunda-feira (24) a Operação Élpis. O ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, foi preso novamente.

Suel tinha sido condenado por atrapalhar as investigações e estava em regime aberto, mas, segundo a PF e o MPRJ, o ex-bombeiro participou de campanas para vigiar Marielle e foi considerado para matá-la — mas acabou refugando. Por causa dessa desistência, Ronnie decidiu convocar o amigo de infância. G1