Crédito: Adab/Divulgação

Os primeiros registros da febre aftosa no Brasil datam de 1895, após o vírus ter sido descrito no Uruguai e na Argentina. A vacinação só começou na década de 1960, com o avanço na produção de imunobiológicos. Na Bahia, foi especificamente em 1968, com a criação do Grupo Executivo de Erradicação da Febre Aftosa (Gerfab), então sediado em Itapetinga, região com maior rebanho da época – cerca de 180 mil cabeças.

A primeira versão da vacina contra a febre aftosa não tinha a mesma eficácia de hoje, segundo o médico veterinário Valentim Fidalgo, da Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab). Assim, as campanhas tinham que acontecer a cada quatro meses – atualmente, são duas campanhas por ano. No começo, também não havia imunizantes disponíveis para o estado inteiro.

“Começou ali e foi-se ampliando para Itororó, Itabuna, subindo gradativamente. Foram contratados médicos veterinários e técnicos auxiliares, sendo que os técnicos tinham que morar na região e comprovar que tinham uma bicicleta ou um cavalo. Isso seria o meio de transporte para chegar até as propriedades”, conta.

Depois de cerca de 10 a 12 anos, no começo dos anos 1980, foi que os esforços tiveram resultados mais visíveis, com a redução do número de focos. A substituição da vacina aquosa por imunizantes em sua forma oleosa também foi importante para que a vacinação fosse a cada seis meses, ao invés de quatro. “É a mesma vacina que usamos hoje, porém a atual é muito mais elaborada, além da constância de vacinação. Nós também pecávamos porque a vacinação era a partir dos quatro meses, acreditando que o colostro (leite produzido após o parto) dava imunidade ao bezerrinho”, lembra Fidalgo. Pesquisas ao longo dos anos mostraram que isso não acontecia e que o bezerro devia ser vacinado desde o primeiro dia.

O último caso de febre aftosa no estado foi registrado em maio de 1997, na cidade de Jussari, no Sul do estado. Nas duas décadas seguintes, a cobertura vacinal na Bahia ficou acima dos 90% exigidos pelo Mapa. Agora, quase 60 anos depois, a Bahia está prestes a decretar definitivamente o fim do risco da doença no estado.

Nesta segunda-feira (1), o estado dará início à última campanha de vacinação contra a febre aftosa, que vai até o dia 30 de abril. O momento vem sendo considerado histórico para pelo setor por selar o fim de 146 ciclos de imunização de rebanhos bovino e bubalino (búfalos) no estado, que são estimados em 13 milhões de cabeças (o sétimo maior do país). A medida é um dos requisitos para que a Bahia receba a Certificação Internacional de Zona Livre de Febre Aftosa Sem Vacinação.

Sintomas

A febre aftosa provoca febre e o surgimento de vesículas e feridas na boca, nos pés e no focinho, além de apatia e salivação excessiva. Em geral, os animais morriam porque não bebiam água e não comiam. A doença não afeta humanos, ainda que seja uma zoonose. “O vírus é perigoso porque é de consequências sociais, econômicas e políticas”, diz o veterinário Valentim Fidalgo. “Para mim, essa campanha agora tem o sabor de São Jorge matando o dragão. Todos os produtores, todos os criadores e todos os órgãos de defesa matando o dragão”

Criador de gado de corte em Sítio do Quinto, Rubens Leonardo foi um dos que viveu essa luta nas últimas décadas. “É um pouco sofrido porque tem o manejo do gado, tem o estresse no curral. Também ficava um pouco restrito porque alguns estados não queriam receber gado nosso e, quando ia comprar de outros, a Bahia nem sempre aceitava entrar. Mas a gente nunca deixou de vacinar”, lembra.

Ele administra cerca de 1,7 mil cabeças de gado nelore e costuma vender para os estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e a própria Bahia. A cada campanha, o investimento nos imunizantes fica em torno de R$ 2,3 mil. “Vai diminuir os custos tanto do financeiro quanto operacional de mão de obra”.

Por vezes, após a vacinação, o rendimento dos animais caía. Alguns demoravam alguns dias para se recuperar do estresse. “Tinha até perda de animais, porque às vezes algum caía e quebrava a perna. Mas o prejuízo era insignificante em comparação ao que a febre aftosa dava. Com certeza, com a certificação vai ficar melhor porque vão confiar mais na gente. Graças a Deus, todo mundo seguiu a regra e conseguimos esse feito histórico”.

Como será

Esta última vacinação será para todos os animais, de todas as idades, desde o primeiro dia de vida. A meta é alcançar 100% do rebanho. Mas, além da campanha, a Adab começou neste mês a chamada vigilância sorológica, que é um dos requisitos para pleitear a certificação.

O órgão selecionou uma amostragem da população de animais para o estudo epidemiológico, tanto com sorteios quanto em propriedades com maior número de movimentação. Os resultados devem ser concluídos em junho e enviados ao Mapa. O órgão federal pode enviar as informações à OMSA, que é quem emite a certificação. A estimativa é de que todo o processo seja finalizado em até dois anos.

Para o coordenador do Programa Nacional de Vigilância para a Febre Aftosa (Pnefa) na Bahia e médico veterinário da Adab, José Neder, a conquista é resultado do trabalho conjunto: desde os produtores rurais, que entenderam o chamado, até as autoridades de defesa agropecuária. “O plano começa com o controle, com o combate, depois passa para a erradicação. Depois da erradicação, que é o último patamar, temos a certificação de livre”. A partir de maio, inclusive, a vacinação do estado fica proibida.

Assessor técnico do Sistema Faeb/Senar, que representa o setor, o médico veterinário Carlos Rio explicou que a entidade tem feito treinamentos com os técnicos para a vigilância passiva, após o fim da vacinação. Para ele, esse acompanhamento deve ser feito de forma muito atenta e rigorosa.

“Mas enxergamos que a suspensão da vacinação é um passo significativo para o desenvolvimento da pecuária no estado. Haverá redução de custos, porque os produtores não vão precisar investir em vacinas e em mão de obra para vacinar. Também terá o aumento da competitividade, exatamente por poder explorar esses novos mercados”. Correio da Bahia