Em depoimento à Polícia Federal, a ex-diretora de inteligência do Ministério da Justiça, Marília Alencar, afirmou que apresentou diretamente ao ex-ministro Anderson Torres um mapeamento de inteligência sobre o resultado do primeiro turno das eleições do ano passado. O encontro, disse a delegada, foi presenciado por outros colegas.

A colunista Malu Gaspar, do jornal “O Globo”, já havia revelado que Marília confirmou à PF ter feito um mapeamento dos locais onde o então candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, havia obtido mais votos no primeiro turno. No depoimento, que está sob sigilo, Marília afirmou que o levantamento teria sido um pedido de seu chefe na época, Anderson Torres.

A ex-diretora foi ouvida pela PF no dia 13 de abril. A TV Globo teve acesso a trechos do depoimento. No trecho obtido pela TV Globo, a ex-diretora disse que o objetivo da ação era avaliar se havia indícios de compra de voto no pleito.

“Que a declarante solicitou, com base no BI [boletim de inteligência] anteriormente mencionado, ao servidor Clebson Ferreira de Paula Vieira, que confeccionasse um BI com o resultado das eleições, mencionando os resultados nos quais cada um dos dois candidatos a presidente da República tiveram mais do que 75% de votos no primeiro turno, confrontando com os partidos políticos dos respectivos prefeitos de cada município do Brasil inteiro, o que poderia caracterizar indicativo de compra de voto a depender do informe recebido. Que ressalta que é apenas um indicativo”, informa o registro do depoimento à PF.

Marília disse ainda “que solicitou que a planilha fosse extraída, impressa e entregue à declarante; que apresentou a planilha ao ministro Anderson Torres em reunião na qual também estavam presentes outros servidores, tendo explicado o intuito das análises”.

Auxiliar do ex-ministro da Justiça, Marília Alencar disse ainda que considerou um “absurdo” e ficou “surpresa” com as informações de que a Polícia Rodoviária Federal estava parando eleitores no dia do segundo turno das eleições.

A PF analisa o celular de Marília Alencar em busca de novos indícios. Anderson Torres será ouvido na segunda-feira (24) sobre as ações da PRF. Nesta quinta-feira (21), o ministro Alexandre de Moraes, do STF, manteve a prisão de Torres sob argumento de novos inídicios contra ele em suposta tentativa de atrapalhar a votação no segundo turno. Outros três delegados também devem prestar depoimento à PF.

Blitz

Ainda no depoimento, a delegada contou que no dia 30 de outubro estava no Centro Integrado de Comando e Controle do Ministério da Justiça, que reúne diversos órgão de segurança e inteligência.

“Ao chegar no local, tomou conhecimento da confusão envolvendo a atuação da PRF no dia; Que a ação da PRF chamou a atenção da declarante pela forma como estava sendo noticiado, sendo que chegaram a comentar no ambiente se aquilo de fato estaria ocorrendo ou mesmo se seria uma atuação intencional da PRF, de tão absurdo que era”, afirmou.

A ex-auxiliar negou qualquer interferência dela nas ações da PRF contra eleitores. “Que as noticias indicavam que a PRF supostamente estaria parando eleitores, através de blitz, impedindo os eleitores de votarem; Que ressalta que não houve qualquer atuação da DINT [Diretoria de Inteligência] para que isso ocorresse, tanto que causou surpresa à declarante. Que afirma que sequer tinha contato com o setor operacional da PRF”.

Marília Alencar afirmou ainda que não sabe se houve interferência de Anderson Torres na atuação. O depoimento de Marília serviu de base para o relatório encaminhado pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, à Controladoria-Geral da União (CGU) sobre a atuação da PRF no segundo turno. A PRF era comandada pelo bolsonarista Silvinei Vasques.

O relatório mostra que a PRF fiscalizou mais de 2 mil ônibus no Nordeste, onde Lula venceu no primeiro turno e era favorito para ganhar no segundo. O número de fiscalizações foi bem mais baixo nas outras regiões.

Do primeiro para o segundo turno, o número de fiscalizações em ônibus nos nove estados do Nordeste aumentou 358%. O fim da operação da PRF que prejudicou a ida dos eleitores às urnas no domingo do segundo turno foi determinado por Alexandre de Moraes, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

O relatório apontou, ainda, que a PRF também pediu para dobrar o orçamento para as eleições, com mais R$ 3 milhões só para fiscalizar o segundo turno – um valor que inicialmente seria gasto para toda a eleição. Uma mudança de planejamento que quebrou um padrão histórico. Normalmente, a maior parte dos recursos da PRF é aplicada no primeiro dia das eleições, que envolve a escolha para presidente, governadores, senadores e deputados. Andreia Sadi/G1