Foto: Alessandra Lori | Ag. A TARDE

Em meio ao debate acerca da importância da preservação ambiental, a  exploração de  animais silvestres  nas redes sociais  acendem o alerta de especialistas para o aumento do tráfico na Bahia. Nas últimas semanas, dois casos foram registrados em Salvador.

Na segunda-feira, 22, vinte aves silvestres foram resgatadas de um cativeiro no bairro Jardim Cajazeiras, por equipes da Companhia de Polícia de Proteção Ambiental (Coppa) da Polícia Militar. No último dia 12, mais de 100 pássaros silvestres também foram encontradas em uma casa localizada em Matatu de Brotas, ainda na capital baiana.

De janeiro deste ano até o último dia 15, mais de 500 resgates de animais foram feitos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) na Bahia, como revelam dados dos Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do órgão. As ações ocorreram em Porto Seguro, no sul baiano, e em Salvador.

Na análise  do cenário de 2022, os Cetas notificaram 1.808 apreensões de animais silvestres em todo o estado. A maioria foi realizada em Salvador, um total de 1.167. As apreensões foram realizadas pelo Ibama, pela Polícia Militar Ambiental dos estados e pelos demais órgãos fiscalizadores.

A maior parte dos resgastes são dos chamados passeriformes, uma ordem da classe de aves robusta, que abrange quase 6 mil espécies. A estimativa é que entre 45 e 60 mil animais sejam apreendidos todos os anos em operações de fiscalização, ainda segundo levantamento do Ibama.

Diante da ameaça que a modalidade de tráfico causa à biodiversidade, o analista ambiental do Ibama, Roberto Cabral, destaca que a ‘humanização’ de animais silvestres nas redes sociais pode ser um agravante no atual cenário. Cabral exemplifica um caso de notória repercussão: o da capivara Filó, mantida como bicho de estimação pelo influenciador Agenor Tupinambá, do Amazonas.

A situação ganhou destaque após agentes do órgão resgatarem o animal no final de abril. Com mais de dois milhões de seguidores no Instagram, o influencer postava diversos conteúdos ao lado da capivara. Ele foi multado em R$ 17 mil por fazer exploração indevida do animal e já foi autuado por casos envolvendo maus-tratos a outros bichos.

“O Ibama tem monitorado as redes sociais. O crime ambiental tem migrado em certa forma para as redes sociais e pode estimular o tráfico de animais. Infelizmente, a feira de venda de animais silvestres física ainda existe em muitas regiões, mas agora ela também é uma feira virtual. Já há um tempo viemos acompanhando um outro fenômeno, que é a utilização e o abuso dos animais nas redes sociais a troco de curtidas ou de angariar número de seguidores. O que acaba acontecendo porque em geral os animais são carismáticos, a gente tem um termo técnico para isso que é ‘megafauna carismática’. Isso atrai os comentários e os likes dessas pessoas. No monitoramento, a gente chegou até esse influencer no Amazonas. Muitas pessoas têm perguntado como foi a denúncia, mas ele mesmo se denunciou com as postagens”, explica Cabral.

Para o especialista, a restrição da prática visa proteger tanto os animais quanto a população em geral. A partir disso, o analista ambiental pontua que a influência nas redes sociais deve ser tratada de forma séria, principalmente no que se refere à preservação e cuidado do bem-estar dos animais.

A nossa preocupação é com a proteção ao bem-estar do animal, por exemplo, o influencer não foi multado por maus tratos à capivara, mas por abuso ao animal. Abuso por colocar roupinha, por manter esse animal em uma situação inadequada em relação ao ambiente que seria adequado para ele, colocar plaquinha vergonha na capivara por ela ter roído um fio. A capivara é o nosso maior roedor e não pode ser reprimido pelo comportamento natural. O fato é que ele está num ambiente inadequado para executar esse comportamento. Se ele estivesse na natureza, ele não estaria roendo fios, mas sim dentro de casa.Roberto Cabral, Analista ambiental do Ibama.

“Outra preocupação vem justamente do nome dessa atividade que essas pessoas fazem, eles são chamados de influencer, ou seja, eles influenciam outras pessoas. Esse tipo de influencer que abusa dos animais é uma influência negativa. Por que imagina se milhares de pessoas queiram criar uma capivara, uma paca, um papagaio? A gente aumenta a captura, aumenta o cativeiro desses animais, ou seja, aumenta o tráfico desses animais. O tráfico de animais silvestres significa sofrimento e perda da biodiversidade”, enfatiza.

Questão sanitária

Cabral ainda chama a atenção para os riscos e impactos que o convívio doméstico com animais silvestres podem acarretar à população. Ele alerta para a possibilidade do surgimento de novas doenças e destaca o exemplo da pandemia de Covid-19.

“O contato assim tão íntimo com o animal silvestre pode fazer com que determinados vírus, que estejam no ambiente natural e não afetariam a nossa espécie, acabem chegando. E aí a gente pode ter um novo prejuízo, de sofrimento, de perda de pessoas, de perdas econômicas. Então, a postura do Ibama é o cumprimento da legislação ambiental no Brasil e que nesse sentido é pródiga, determinante, ela visa a proteção do animal, do indivíduo em si, e da biodiversidade”, acrescenta.

Ambiente natural

Ainda de acordo com o analista do Ibama, o animal deve permanecer no seu ambiente natural, que é viver a vida na natureza em companhia do seu bando. Após o resgate, o especialista  explica que o animal é levado para os Cetas para serem cuidados e preparados para a reintegração na natureza.

“O centro de triagem é a primeira etapa para a reintrodução dos animais, que é o objetivo do Ibama. Já tinha uma equipe em busca no dia anterior de bandos de capivara, porque a gente não pode apresentar o animal a qualquer bando. O padrão é que a gente apresente esse animal do mesmo tamanho, da mesma faixa etária, para que tenha uma maior chance de aceitação. A gente já fez isso no Pantanal, em outras situações. Em uma delas, o bando aceitou imediatamente. Já em outra, o banco não aceitou e a gente precisou recapturar porque a gente fica monitorando. E depois apresentou para outro banco que aceitou. Então, é um processo que é possível de ser realizado e deve ser realizado. O centro de triagem é só o início do processo”, afirma.

Após ter sido resgatada pelo Ibama, a capivara Filó foi devolvida ao influencer por meio de decisão judicial. Diante disso, o órgão  preparou uma nota técnica na qual pede a revisão da medida para que seja cumprida a lei de proteção animal.

Assim como o analista ambiental do Ibama, o médico veterinário e professor Paulo Cesar Maia, que também é coordenador do Ambulatório de Animais Silvestres e Exóticos da Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia, da Universidade Federal da Bahia (Ufba), defende a permanência do animal silvestre em seu ambiente natural e considera a ‘humanização’ como um mal para as espécies.

A gente fica preocupado e chateado com o desconhecimento das pessoas em relação à nossa fauna, que está sendo cada vez mais agredida. Infelizmente, é muito comum fazermos apreensão dos animais em situações de cativeiro. Qualquer animal silvestre pode ser readaptado. A gente desenvolve um trabalho voltado para isso. E os que não se readaptam na natureza, são encaminhados para ambientes adequados e autorizados pelos órgãos ambientais. Paulo Cesar Maia, Médico veterinário e professor da Ufba.

O veterinário ainda analisa que a exploração da imagem dos mesmos como ‘bichos de estimação’ nas redes sociais não deve ser normalizada e desejada pela população, considerando o contexto de tráfico na Bahia e em demais estados do país.

“Isso está completamente errado e vai influenciar outras pessoas. É um risco imenso para os humanos também com doenças que a gente nem imagina que podem ser transmitidas. Vai ser difícil combater depois se isso continuar. Infelizmente, o tráfico de animais é muito presente”, completa.

Legislação

No Brasil, a criação de animais silvestres em ambientes domésticos é regulamentada pela Lei de Crimes Ambientais, que proíbe a utilização, perseguição, destruição e caça sem a devida permissão, licença ou autorização.

Lei 9.605/1998 determina que a criação de forma legalizada está condicionada à origem da espécie, ou seja, se é oriunda de um criadouro autorizado pelo Ibama ou por órgãos ambientais estaduais. A pena prevista para o crime é de seis meses a um ano de prisão e multa, podendo ser dobrada em casos mais graves, a exemplo do crime contra uma categoria que esteja  em risco de extinção.

Ainda conforme a legislação, a pena pode ser aplicada a quem “vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente”. Já no caso de criação doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, a Justiça pode deixar de aplicar a pena, a depender das circunstâncias em que se encontra o animal.

Conscientização

O professor e diretor do Instituto de Biologia da Ufba, Francisco Kelmo, ressalta que criar animais silvestres em ambientes domésticos não deve ser incentivado. Para ele, o caso da capivara Filó tem relação com um problema antigo em relação à exploração e abuso dos animais. Kelmo ainda pontua que é fundamental que haja um reforço na fiscalização e legislação no país para combater a prática.

Isso deve continuar sendo proibido e deve haver fiscalização nesse mercado ilegal. O contrabando dos nossos animais para várias regiões do mundo acontece e deve ser combatido. A apreensão e o retorno desses animais para o seu habitat natural devem ser garantidos para que eles não percam as suas habilidades de viver na natureza. A gente precisa de mais pessoal, mais fiscalização e penalizações mais duras para esse tipo de crime. Francisco Kelmo, Diretor do Instituto de Biologia da Ufba