(Foto: Tiago Caldas/Arquivo CORREIO)

O Ministério da Saúde anunciou no último domingo (17) o fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) relacionada à covid-19 e isso pode fazer com que o Hospital Espanhol, na Barra, em Salvador, tenha que fechar as portas novamente. É que o hospital estava sob o poder da Justiça e iria a leilão, mas foi cedido ao Governo da Bahia por conta da pandemia justamente em caráter emergencial possibilitado pela Espin. Nessa sexta-feira (22), o Espanhol completa 2 anos de reabertura e de atuação contra a covid. De acordo com o Estado da Bahia, a ideia é implantar no local uma unidade permanente hospitalar e ambulatorial.

“O Governo da Bahia está utilizando o Hospital Espanhol por conta da condição de emergência que o país vive. O uso pode ser feito enquanto o caráter emergencial estiver vigente. E agora? Como fica isso? Ali é uma unidade de referência”, questiona o presidente do Conselho Estadual de Saúde da Bahia (CES-BA), Marcos Sampaio.

A enfermeira e gerente operacional do Hospital, Claudiana Pereira, destaca que a unidade é a única na Bahia com atendimento exclusivo covid 100% pelo SUS. “O Hospital Espanhol fechar seria uma grande perda. A gente sabe que não é fácil montar de uma hora para outra uma equipe e uma estrutura preparada e qualificada para atender uma doença no nível da covid”, coloca.

Quando o Hospital Espanhol foi reaberto, em 22 de abril de 2020, eram 160 leitos, sendo 80 clínicos e 80 de UTI. Até ontem (20), eram 250 leitos, sendo 124 clínicos e 126 de UTI. Desses, 57 estavam ocupados, o que representa uma taxa de 22,5%. A menor taxa já registrada, nos 2 anos de funcionamento, foi de 12%, em setembro de 2021. E as maiores, em torno de 90%, aconteceram em outubro de 2020 e janeiro de 2022. No final da tarde de ontem, a assessoria do Hospital Espanhol informou que a Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) determinou a redução da quantidade de leitos para 160, em função das baixas taxas de ocupação das últimas semanas.

O Hospital está sendo administrado pelo Instituto Nacional de Tecnologia e Saúde (INTS) em regime de Parceria Público Privada (PPP) com a Sesab. Para lá vão somente pacientes infectados em estado grave. Até agora, foram cerca de 7 mil atendimentos e mais de 4.400 vidas salvas. O restante se divide entre óbitos e transferências, e os números exatos não foram divulgados.

“Lembrar da reabertura faz passar um filme na nossa cabeça. A gente percebe uma evolução brusca, tanto no nível profissional da assistência prestada quanto da evolução de cada funcionário como ser humano. No início tudo era dúvida e medo, hoje é experiência e gratidão. Temos aqui funcionários extremamente competentes, preparados e humanizados, além de toda uma estrutura preparada para uma assistência adequada aos pacientes que estão com covid ou estão se recuperando da doença”, diz a gerente operacional e enfermeira, Claudiana Pereira.

Quando a reabertura completou 1 ano, em abril de 2021, o então secretário de saúde da Bahia, Fábio Vilas-Boas, afirmou que o Hospital era de grande importância para atender as demandas da pandemia, principalmente durante as três ondas de destaque. “É um dos principais hospitais, tanto de leitos de UTI quanto clínicos e de assistência respiratória, de todo o estado da Bahia, junto com o Metropolitano e o Couto Maia”, declarou.

O diretor geral da unidade, Ricardo Bricídio, afirmou na última semana que “enquanto tiver pandemia, o Hospital Espanhol estará atendendo à população da Bahia”. Mas esse futuro é, na verdade, incerto e está nas mãos da Justiça.

Dívidas, leilões cancelados e cessão ao Governo da Bahia

O Hospital Espanhol entrou em crise em 2013 e, em setembro de 2014, as atividades foram suspensas e o hospital fechado. Mais de dois mil funcionários foram demitidos e pacientes que estavam internados tiveram que ser transferidos para outras unidades de saúde da cidade. Na época, lá funcionavam 270 leitos, entre eles 60 de UTI e 12 de UTI Neonatal.

Segundo a Real Sociedade Espanhola Beneficente, que era responsável pela unidade, o montante do ativo imobiliário do prédio foi avaliado pela justiça em R$ 195 milhões, e a dívida total da unidade superava R$ 450 milhões. Com o fechamento, o processo foi para o Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT-BA), que determinou a venda do local em 2016 para pagamento das dívidas trabalhistas.

O edital de venda do hospital foi publicado em março de 2017. De acordo com o TRT-BA, em 2018, por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a insolvência do Hospital Espanhol passou a ser julgada pelo Tribunal de Justiça da Bahia e não mais pela Justiça do Trabalho.

A solicitação foi feita após o TRT-BA determinar a realização, em fevereiro de 2018,  de leilão dos bens da unidade de saúde. Com a decisão do ministro, os processos trabalhistas do hospital passaram a tramitar na 8ª Vara Cível e Comercial de Salvador, do Tribunal de Justiça da Bahia. O leilão foi, por diversas vezes, marcado e suspenso.

De acordo com a Procuradoria Geral do Estado da Bahia (PGE-BA), “o Estado da Bahia ingressou com pedido de requisição administrativa do Hospital Espanhol perante a Justiça Federal em março de 2020, baseado no perigo público iminente representado pela emergência de saúde pública de importância internacional, reconhecida pela Organização Mundial de Saúde em relação à pandemia do coronavírus SARS-CoV-2, e também na Portaria nº 188/2020, editada pelo Ministério da Saúde (ESPIN), e no Decreto Estadual nº 19.529, de 16 de março de 2020, que regulamenta, no Estado da Bahia, as medidas temporárias para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”, diz a nota.

A PGE explicou ainda que não há nenhum leilão previsto e que os bens imóveis do Hospital Espanhol foram declarados de utilidade pública pelo Estado da Bahia, e, por isso, foi ajuizada ação de desapropriação, que está em curso na Justiça Federal. “A ideia é que o Estado da Bahia implante ali uma unidade hospitalar e ambulatorial de saúde”, acrescenta o comunicado.

O Tribunal de Justiça da Bahia e a Sesab foram procurados para falar sobre o futuro do Hospital Espanhol, mas não responderam ao contato até o fechamento da reportagem. O CORREIO não conseguiu contato com a Real Sociedade Espanhola Beneficente, antiga dona do Hospital Espanhol.

Fim da emergência em saúde

O fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) foi anunciado no último domingo (17), mas o Ministério da Saúde  ainda não publicou a portaria que determina o prazo para que as medidas adotadas no país nos últimos dois anos deixem de valer. A preocupação das autoridades de saúde é de que a medida seja prematura e que não haja sequer uma janela de transição. Vale lembrar que, no dia 13 de abril, a Organização Mundial da Saúde (OMS) comunicou que a pandemia de covid-19 continua a ser uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional.

Desde o estabelecimento da Espin, várias normas estaduais e municipais passaram a vigorar com base no decreto nacional. Entre elas estavam medidas que facilitavam a contratação de profissionais e a compra de insumos como vacinas e medicamentos, além de permitir o descumprimento de normas de responsabilidade fiscal, por exemplo.

Os conselhos nacionais de saúde pediram, nesta terça-feira (19), que o Ministério da Saúde adote o prazo de 90 dias para revogar o fim da emergência. Em uma carta, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) alertam para o risco de desassistência à população com o fim das medidas adotadas na pandemia. Também é solicitado um “plano de retomada capaz de definir indicadores e estratégias de controle com vigilância integrada das síndromes respiratórias”.

Para o presidente do Conselho Estadual de Saúde da Bahia (CES-BA), Marcos Sampaio, o fim da Espin é motivo de preocupação geral. “Algumas vacinas estão sendo usadas em caráter emergencial, por exemplo. Aqui, várias contratações de profissionais de saúde foram permitidas em caráter de urgência e emergência. Assim como medicamentos e equipamentos. Sem a Espin, isso tudo vai ficar muito mais difícil de ser feito, inclusive a abertura de leitos”, destaca.

Segundo o presidente, é preciso ter sempre um plano de retaguarda. “A gente tem em outros países surgimento de novas variantes. Aqui no Brasil, temos aí se aproximando o Dia das Mães e depois teremos o São João. Precisamos de um plano para o pós São João. Sem contar que precisamos admitir que temos uma falha de testagem aqui no estado e talvez em todo o país desde o início da pandemia, o que dificulta o entendimento do real cenário”, acrescenta Sampaio.

O Ministério da Saúde foi procurado para confirmar se a portaria que determinada o fim da Espin será mesmo publicada e qual a data para isso. Além disso, foi questiona ao Ministério, à Sesab e à Secretaria de Saúde de Salvador (SMS) se há um plano caso os números de casos ativos, internações e mortes por covid voltem a subir, mas nenhum dos três respondeu ao contato até o fechamento da reportagem. Correio da Bahia