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Uma pesquisa da Fiocruz traça um retrato do uso de drogas, lícitas e ilícitas, no Brasil. O estudo ouviu mais de 17 mil pessoas em mais de trezentos municípios. O levantamento revela que 46 milhões de brasileiros de 12 a 65 anos beberam pelo menos uma dose de álcool nos 30 dias anteriores a pesquisa e quase 5 milhões usaram alguma droga ilícita 12 meses antes do questionário.

A divulgação dessa pesquisa chegou a ser proibida em maio pelo Governo Federal. O Ministério da Cidadania discordou dos resultados alegando que não houve comparação com pesquisas anteriores. A Fiocruz disse que todos os critérios do edital foram atendidos.

Atualização: o Ministério da Cidadania disse, por meio de nota, que jamais orientou ou determinou a proibição de publicar a pesquisa. E que o levantamento foi contratado pelo Ministério da Justiça que, por sua vez, também jamais impediu a sua divulgação.

O Ministério da Justiça apenas orientou que, caso divulgada, a pesquisa não fosse vinculada à pasta. A nota do Ministério da Cidadania afirma ainda que o ministro discorda da metodologia da pesquisa porque entende que existe sim uma epidemia de drogas no Brasil.

Agora, o Governo Federal e a Fiocruz chegaram a um acordo mediado pela Advogacia-geral da União. E a publicação foi autorizada na página da fundação na internet, sem o símbolo do Ministério da Justiça, que contratou a pesquisa.

O levantamento foi concluído em 2015. Há muito tempo não se fazia um levantamento sobre uso de drogas no Brasil. A última pesquisa foi em 2005. E foi feita em pouco mais de 100 municípios brasileiros. Esse é o primeiro levantamento com abrangência nacional. Veja alguns dos principais pontos:

  • 46 milhões de brasileiros de 12 a 65 anos beberam pelo menos uma dose de bebida alcoólica nos 30 dias anteriores a pesquisa.
  • Dois milhões e trezentos mil apresentaram comportamentos de dependência do álcool.
  • Quase 5 milhões de brasileiros (4,9 milhões) disseram que usaram alguma droga ilícita nos 12 meses anteriores à pesquisa. E o percentual é maior entre jovens de 18 a 24 anos.
  • A maconha foi a droga ilícita mais consumida (7,7% usaram pelo menos uma vez na vida).
  • A cocaína foi a segunda droga ilícita mais consumida (3,1% disseram que já usaram)
  • 1 milhão e 400 mil pessoas entre 12 e 65 anos disseram que usaram crack alguma vez na vida (0,9% dos entrevistados).

Pesquisadores envolvidos no levantamento alertaram que, como a pesquisa foi feita em domicílios, não leva em conta a quantidade de usuários nas ruas.

“Na verdade, ele deve ser interpretado de forma exatamente oposta. Porque é uma pesquisa domiciliar, de pessoas regularmente residindo com suas famílias, em domicílios estáveis, enquanto a gente sabe que a grande maioria dos usuários de crack é uma população que ocupa o espaço urbano, bastante marginalizada, e que guarda com as suas famílias de origem e com os seus domicílio uma relação muito precária”, explica o pesquisador da Fiocruz Francisco Inácio Bastos.

Cigarro e remédios controlados

Outras pesquisas já mostraram que o hábito de fumar cigarro vem diminuindo. Treze por cento das pessoas ouvidas no levantamento da Fiocruz declararam que fumaram nos trinta dias anteriores à pesquisa. O que representa vinte milhões de brasileiros.

Um outro alerta vem de drogas que são vendidas legalmente. Três por cento dos entrevistados admitiram que usaram medicamentos controlados sem receita ou de forma inadequada nos últimos 12 meses.

“O alerta que fica é que a gente tem que investir no conjunto que funciona no mundo inteiro: prevenção, regulação, informação, que é uma coisa que a gente tenta contribuir com evidências, e tratamento apropriado”, acrescenta Francisco Inácio.

Usuários falam sobre a luta contra o vício

A reportagem do Jornal Nacional ouviu usuários de drogas que lembraram histórias de dificuldades com drogas lícitas e ilícitas.

“Bebi cerveja. Passei pro vinho, passei pra cachaça, eu bebia bem. Bebia todos os tipos de bebida, eu bebia. Perdi o controle total”, lembra a desempregada Tainá Glória de Oliveira. Tainá virou refem de um hábito que começou na adolescência.. É só piorou com o tempo.

E a droga lícita muitas vezes abre caminho para outros vícios. Foi assim com o office boy Norran Santos. “Começa pelo álcool, pela maconha, é uma coisa puxa a outra, é uma escada. Uma coisa vai puxando a outra”, lembra ele.

O Norram sabe como é difícil seguir em frente, mas mostra otimismo: “A pessoa quando fala ‘Como é que você tá?’ Eu to melhor do que antes. Tá sempre melhor do que antes. Antes tava ruim, agora tá bom, pode melhorar, só depende de mim”. G1