Foto: Marcos Corrêa/PR

A pé. Foi assim que o presidente da República, Jair Bolsonaro, deixou o Palácio do Planalto para uma visita surpresa ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, ladeado por empresários. Lá, um deles resumiu bem a forma tacanha como alguns empresários insistem em tratar a crise do novo coronavírus: “Haverá a morte de CNPJ”. Em outros contextos já seria absurda a escolha entre CPFs e CNPJs. Com uma pandemia em curso e mais de 9 mil mortos, o peso dessa opção fica ainda maior. E, acredite, há quem aplauda de pé, sem pestanejar.

A preocupação econômica é imprescindível. Esse espaço já tratou disso mais de uma vez. Porém a frieza com que se fala em “morte de CNPJs” deveria causar incômodo em qualquer pessoa que ouve. Mas não. Naturalizamos de tal forma o absurdo que passou a fazer parte do cotidiano. Não é. Não deve ser. Essa dicotomia esdrúxula entre vidas e economia tem sido alimentada constantemente no Brasil e só atende a interesses de uma classe minoritária e eternamente favorecida na construção histórica do país.

A fala do empresário foi inspirada numa declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes. O Posto Ypiranga citou que as empresas estão rodando com “40 dos 100 batimentos que eles deveriam rodar”. O citado homem de negócios completou: “O que a gente não queria é que, por ter estado junto no combate à pandemia, o meu coração que esteve batendo a 40, eu não consigo retomar, os funcionários caem de novo na nossa folha. Aí eu tenho um inimigo lá fora que é meu adversário comercial, prontinho para suprir o mercado interno. Aí então haverá a morte de um CNPJ”.

Esquecem que, para que haja consumo, é necessário que exista uma estrutura social que permita o funcionamento da máquina. Caso seja feita a vontade daqueles que desejam o “isolamento vertical”, o impacto das mortes será tão amplo que o Brasil demorará ainda mais tempo para se recuperar do trauma. Basta tomar por base os prognósticos de economistas internacionais: quando antes as medidas restritivas cumprirem suas expectativas, mais rápida será a retomada econômica.

Talvez o imediatismo do lucro deixe muita gente cega. Nada impede, no entanto, que sigamos resignados para tecer críticas a posturas que tratem pessoas como números. Empresas importam. Porém vidas deveriam importar mais. A travessia, a pé, da Praça dos Três Poderes não foi uma demonstração de humildade. No máximo, uma tentativa de parecer mais humano. Por Fernando Duarte/BN