Quase um ano após a chegada do óleo nas praias da Bahia, Francisco Kelmo, diretor do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (Ibio/Ufba), afirmou que o acidente provocou um grande desequilíbrio ecológico em algumas praias, e que só deve ser revertido em no mínimo 10 anos.
A conclusão ocorreu após análise nos dados sobre a biodiversidade, da densidade dos organismos vivos e também no branqueamento de corais, feita em praias como Praia do Forte, Itacimirim e Guarajuba, no litoral norte baiano.
“A gente concluiu que, para que haja uma recuperação plena, a gente estima no mínimo 10 anos. Isso se não houver nenhum fenômeno de grande escala que venha prejudicar a recuperação desses organismos. A chegada do óleo foi quase que catastrófico. Nós tivemos um acidente de grande magnitude, com resultados graves para o patrimônio natural”, disse.
Na Bahia, as manchas começaram a ser registradas em outubro de 2019, quase um mês após o início do problema no país. Ao todo, as manchas atingiram nove estados do Nordeste e dois do Sudeste, totalizando 130 municípios. Mais de mil localidades foram atingidas, segundo levantamento divulgado em janeiro deste ano.
Em Salvador, segundo a Empresa de Limpeza Urbana do Salvador (Limpurb), as praias atingidas pelas manchas de óleo foram: Barra, Ondina, Rio Vermelho, Amaralina, Pituba, Jardim dos Namorados, Jardim de Alah, Boca do Rio, Patamares, Piatã, Itapuã, Stella Maris, Praia do Flamengo, Ipitanga e Jaguaribe e Pedra do Sal (Stella Maris).
Ainda de acordo com a Limpurb, 139,581 toneladas de óleo foram retiradas das praias até este ano. Conforme Francisco Kelmo, a conclusão do grande impacto negativo ocorreu após analisar a situação marinha antes e após a chagada das manchas de óleo no litoral. O grupo tem um banco de dados que funciona desde 1995, e leva em consideração trechos como o da Praia do Forte, uma das mais visitadas do estado.
Ainda de acordo com o diretor, em relação a biodiversidade marinha, houve uma redução considerável. A perda chegou a 80%. “Antes da chegada do óleo, em abril de 2019, nós tínhamos um número médio aproximado de 88 espécies diferentes a cada 35 m² de praia. Em outubro, com a chegada da macha de óleo, esse número caiu para 47. Depois do carnaval, de 47 passou para 17″, contou.
“A gente repetiu as medidas em maio e junho, e não apresentou nenhuma melhora de biodiversidade. Nenhuma espécie que desapareceu voltou ao ecossistema. Isso é uma perda de 80% da biodiversidade total da região”, afirmou. Os dados do grupo observaram também a situação dos organismos vivos. Esses números também foram negativos.
“Antes da chegada do óleo, nós tínhamos uma medida de 446 a cada 35 m² de praia. Em outubro, logo quando chegaram as manchas de óleo, esse número baixou para 151. Após o carnaval, baixou para 77. Agora, em julho, para 74. Há uma redução contínua. Ou seja: teve morte e não teve nascimentos”, falou. O diretor revelou também a situação do branqueamento de corais. A taxa, que era de 6%, passou para 85%.
“Nessa região, a taxa oscilava ente 5% a 6%. Com a chegada [do óleo], esse branqueamento chegou a 51,7% em outubro. Após o carnaval, esse número subiu para 84,7%. Tanto em maio e julho, esse número estava na casa dos 85%. Ou seja, também não registramos recuperação na saúde dos corais”, comentou. Ele comentou que isso desencadeou em uma perda maior, porque a chegada do óleo ocorreu em um momento muito importante: no período de reprodução.
“A gente tem perda de patrimônio natural. O óleo chegou em outubro. Esses organismos invertebrados se reproduzem anualmente entre setembro e março. O óleo chegou bem no período reprodutivo, o óleo interferiu no processo reprodutivo. A gente não tem apenas a perda da mortalidade causa pela ação inicial, mas também em função da reprodução”, falou.
Na prática, o resultado é um grande desequilíbrio ecológico, incluindo um comprometimento na cadeia alimentar. “Isso tudo causa um comprometimento na cadeia alimentar. Esse comprimento causa um desequilibro ecológico. Qual a preocupação? O peixe que a gente come, vai chegar um momento que não vai ter alimento, e o pescador não vai conseguir pescar. É uma situação muito grave”, pontuou.
Em junho deste ano, novas manchas de óleo foram achadas nas praias dos bairros da Pituba e Rio Vermelho, que ficam em Salvador. Além desse material, os pesquisadores também tentam descobrir a origem das manchas de óleo que foram encontradas, também em junho, nas praias de Piatã e Jaguaribe, que também ficam em Salvador. Neste mesmo dia, uma tartaruga foi achada morta na região, mas não foi encontrado vestígios de óleo nela. G1