Foto: Agência Senado

A votação de Augusto Aras no Senado para a Procuradoria-Geral da República não deixa de dar certo alívio para as tensas relações entre o governo de Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional. Foram 68 votos a favor e apenas 10 contrários. O placar elástico não reflete uma ampla maioria para outros projetos, porém é uma vitória significativa em um cenário incerto para indicações que têm origem no Palácio do Planalto. Aras, no entanto, não deve ter vida fácil. Ao “entrar pela janela”, pode se deparar com instabilidade institucional na PGR e só o tempo irá dizer se vai conseguir evitar rachas internos no Ministério Público Federal (MPF).

Ah, mas não existe ilegalidade na indicação dele. Sim, não existe qualquer irregularidade no processo e Aras foi legitimado para ocupar o posto após a aprovação do Senado. No entanto, ao não constar na lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), o futuro PGR fugiu a um padrão constante ao longo dos últimos cinco governos. Desde Luiz Inácio Lula da Silva, todos os titulares da Procuradoria-Geral da República estiveram entre os três mais votados pelos membros da classe e isso facilitava as relações internas.

Além do desafio de conseguir controlar os ímpetos de “adversários” internos no MPF, Augusto Aras tem um desafio bem particular: provar que não cumprirá o papel muito comum nos tempos do então presidente Fernando Henrique Cardoso, de engavetador-geral da República. Com sua proximidade ideológica de Bolsonaro – acentuada ao longo dos últimos meses, inclusive -, Aras não necessariamente vai manter a independência necessária para investigar ou avaliar eventuais denúncias contra o presidente e seu núcleo mais próximo.

O caso do senador Flávio Bolsonaro, por exemplo, deve ser bem emblemático nesse processo. O novo PGR terá que se manifestar quando o Supremo Tribunal Federal (STF) discutir o uso de relatórios de inteligência financeira do antigo Coaf. E o posicionamento de Aras mostrará o quão distanciado ele estará do clã do presidente ao ponto de, caso necessário, não blindar um dos herdeiros do chefe do Executivo. É algo ligeiramente complexo.

O baiano – sim, esse é um detalhe relevante por aqui – ainda precisará mostrar que a pauta de costumes, tão amplamente defendida pelo governo, não vai contaminar e prejudicar a atuação da PGR. Como Aras é tido como conservador – mesmo tendo flertado no passado com ideias progressistas – não confundir o posicionamento pessoal com as obrigações de um procurador-geral será uma demanda extra e difícil de prever. Vide a reação do futuro PGR quando emparedado pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES) sobre a carta de apoio à chamada “cura gay”. Quando pressionado pelo senador que constitui uma família homoafetiva, Aras voltou atrás da posição e mostrou uma flexibilidade comum para quem deseja lograr êxito em disputas políticas. Só que na nova função, a maleabilidade não chega a ser uma qualidade bem-vinda. Fernando Duarte/Bahia Notícias