Ao anunciar, na quarta-feira (26), a distribuição de 2,5 milhões de doses de vacina contra a Covid-19 para crianças, o Ministério da Saúde voltou a pedir que os pais “procurem a recomendação prévia de um médico antes da imunização”. A orientação da pasta foi criticada por especialistas. Depois da repercussão, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que o pedido não era uma “imposição”, e sim uma “recomendação”.

Acrescentou, ainda, que a consulta médica “não é obrigatória ou pré-requisito para a aplicação da vacina contra a Covid-19 entre a faixa etária de 5 a 11 anos”. A medida, segundo o ministério, serve para verificar contraindicações e comorbidades (veja íntegra da nota na pergunta 2). Abaixo, você vai entender quais são os documentos necessários para a vacinação, segundo a avaliação de especialistas ouvidos.

  1. Que documentos preciso levar para vacinar uma criança?
  2. Preciso de uma receita, recomendação ou consulta médica para vacinar uma criança?
  3. Como posso comprovar que a criança tem imunodeficiência, comorbidades ou deficiência?
  4. Posso acompanhar uma criança que não é da minha família para se vacinar?
  5. Como autorizo meu filho a receber a vacina acompanhado de outra pessoa?

1) Que documentos preciso levar para vacinar uma criança?

De forma geral, bastam um documento, preferencialmente com foto, e o número do CPF da criança. Se a criança não tiver um documento com foto ou CPF, é possível levar a certidão de nascimento. As únicas exceções são quando a criança tem alguma imunodeficiência ou quando ela vai se vacinar com alguém que não é o pai, a mãe ou um responsável legal (veja perguntas 3 e 5).

No caso de crianças com imunodeficiência, é necessário comprovar o quadro de alguma forma, para que elas possam receber a vacina da Pfizer. Crianças de 5 anos de idade também só podem receber a Pfizer.

“Quando há um grupo específico, que tem uma imunodeficiência e que precisa receber a vacina Pfizer, então você tem que levar um documento comprovando aquela condição: que está em tratamento de câncer, tem alguma outra coisa, para receber a vacina”, explica o pediatra infectologista Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Na nota técnica que incluiu as crianças de 5 a 11 anos na vacinação contra a Covid-19, de 5 de janeiro, o Ministério da Saúde determinou, ainda, que, se a criança for receber a vacina acompanhada de outra pessoa que não os pais ou responsáveis, “a vacinação deverá ser autorizada por um termo de assentimento por escrito”.

Várias prefeituras têm exigido o documento, conforme apurado pelo g1. No Rio de Janeiro, por exemplo, são pelo menos 5 municípios; em Salvador, os pais precisam assinar um formulário. Cinco municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte também exigem o termo, que tem que ser assinado – contrariando a recomendação do ministério – pelos próprios pais. Já Belém anunciou que só vai pedir o documento quando a criança estiver desacompanhada dos responsáveis.

Algumas cidades pedem documentos ou procedimentos adicionais, que podem incluir a carteira de vacinação da criança, o cartão do SUS comprovante de residência ou algum cadastro ou pré-cadastro em sistema digital (on-line) da prefeitura. Para o médico e advogado Daniel Dourado, pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP a exigência de documentos adicionais – como o comprovante de residência ou cartão do SUS – não tem previsão legal.

“Em regra, as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) pedem comprovante de residência para cadastro no [Programa] Saúde da Família, ou mesmo [pode ser pedido] nas UBSs que funcionam com o modelo assistencial antigo. Mas, para vacinação, não existe essa previsão e nem faz sentido que tenha, porque é política pública de abrangência nacional”, avalia Dourado. Ele pontua, ainda, que há uma “parcela considerável da população” que não tem o cartão do SUS – e que ele pode ser feito no momento da vacinação, se for o caso.

“Não há razão e nem previsão para exigir nada disso. A pessoa não precisa estar cadastrada na área da abrangência territorial da UBS e nem precisa ter cartão do SUS para receber a vacina”, reforça. “O direito à saúde não está condicionado a nenhum tipo de documento. Inclusive estrangeiros que estejam no Brasil podem receber atendimento e também vacina, com ou sem visto”, acrescenta Dourado.

2) Preciso de uma receita, recomendação ou consulta médica para vacinar uma criança?

De forma geral, NÃO. A única exceção é se a criança for imunossuprimida (casos das que receberam um transplante, por exemplo). Nesses casos, pode ser necessário um laudo médico ou alguma outra comprovação – para que ela possa receber a vacina da Pfizer.

“Por ser uma criança imunossuprimida, ela não pode tomar a CoronaVac, então essa criança direciona para a vacina da Pfizer. E, para isso, o membro do posto precisa ter acesso à informação médica. Essa é uma situação onde é perfeitamente cabível a necessidade de uma recomendação para direcionar qual vacina ela deve receber”, aponta o pediatra infectologista Marco Aurélio Sáfadi, presidente do Departamento de Infectologia da SBP.

O Ministério da Saúde já havia feito uma consulta e uma audiência públicas sobre a vacinação infantil. A maioria dos que responderam à consulta e todos os especialistas que participaram da audiência defenderam que não fosse exigida receita médica para vacinar as crianças.

O governo acatou a orientação, que havia sido reforçada por representantes de comitês e sociedades científicas, mas voltou a falar em consulta médica antes da vacinação (veja nota da pasta mais abaixo). Na prática, entretanto, aponta Sáfadi, não existe diferença entre uma receita e uma recomendação médica. “Não existe. E não é necessária. A única situação em que a gente vê necessária a recomendação é na hora de priorizar a vacinação”, afirma.

“Se a vacina está disponível amanhã exclusivamente no caso da criança que é portadora de uma determinada comorbidade ou de uma determinada condição, aí, tudo bem, é cabível. A receita é justamente para priorizar o acesso à vacina a essa criança. Mas, uma vez que está recomendado naquele grupo etário, basta que a criança se apresente junto com um dos responsáveis”, avalia o pediatra. Para Kfouri, a sugestão inicial de necessidade de receita pelo Ministério da Saúde não tem efeito prático.

“Se é o pai ou a mãe levando, subentende-se o consentimento dos pais, e não há necessidade de prescrição, de receita, de recomendação, nada. A sugestão do ministério de atrapalhar a vacinação pedindo que converse com o médico antes, na prática, não se traduz em nenhuma medida diferente”, avalia. Nenhuma outra vacina dada às crianças, hoje, dentro do Programa Nacional de Imunizações (PNI), exige receita médica para ser aplicada. G1