(Foto: Marina Silva/ CORREIO)

Aos 100 anos, a aposentada Elza Maria dos Santos, promete: “enquanto eu estiver lúcida continuarei votando”. A origem dessa disposição? Está em 1932, quando ela tinha 10 anos e testemunhou a caminhada das mulheres aos locais de votação pela primeira vez na história do país. Agora, nove décadas depois que todos possuem os mesmos direitos eleitorais, ela não abre mão de exercê-los, mesmo não sendo mais obrigada.

O título eleitoral e o número dos candidatos separados com antecedência são provas disso. Os dois já estão guardados na bolsa que ela usará no dia 2 de outubro. A neta que a levará até o local de votação também já está avisada. “Eu já juntei tudo para não faltar nada no dia da eleição. Quando chegar a hora, já estarei pronta”, afirma a eleitora centenária.

Sua dedicação ao momento do voto é uma atração à parte. Há duas eleições, Elza caminhou até a urna cantando o hino nacional. O orgulho do papel que exercia sem obrigatoriedade emocionou os mesários e eleitores que estavam lá, e todos a aplaudiram. “Todo mundo levantou para e bateu palmas quando eu cheguei na mesa de votação. Agora, eu vou de novo e com mais esperança de que tudo vai dar certo”, garante Elza.

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na Bahia, além de Elza, há outros 1.043.182 eleitores aptos acima de 70 anos. A costureira Vandelice Caldas, de 98 anos, é uma delas. Ela votou pela primeira vez aos 18 anos, na esteira do início do voto feminino, e não parou mais. “Eu sempre gostei muito de votar. Naquela época foi bom, porque nós mulheres já estávamos preparadas para isso”, lembra ela.

Vandelice não deixa de votar há 80 anos (Foto: arquivo pessoal)

Apesar de ter nascido em Itabuna, já vota em Salvador há meio século. Foi a vontade de dar uma educação melhor aos seis filhos que a trouxe para a capital. Agora, ela inspira toda a família a seguir os seus passos eleitorais. No ano passado, a tecnologia quase quebrou essa tradição, mas ela insistiu e o voto foi computado.

“A biometria não queria funcionar, porque a minha digital não é tão forte quanto antes, mas eu não saí de lá até conseguir. Esse ano, mais do que nunca eu quero estar na urna, porque gosto, para incentivar as pessoas e, principalmente, para melhor a cenário atual”, deseja Vandelice.

Maria da Glória Alves, de 86 anos, também integra a lista. E para garantir que a escolha do novo presidente da República, governador, deputado federal, estadual e senador – cargos elegíveis deste ano -, seja bem feita, ela analisa as propostas de cada um e acompanha diariamente os noticiários. “Essa é única maneira de sabermos quem vai tomar conta do nosso país e estado, por isso eu voto desde os 18 anos, e pretendo fazer até quando aguentar”, afirma a eleitora.

Para pessoas com idades acima de 70 anos, jovens de 16 e 17 anos e analfabetos, o voto é facultativo. Sendo assim, é comum que quem pode escolher se deseja ou não votar acabe optando por não participar das decisões políticas. Mas sabendo dessa realidade, Solange Maria de Oliveira, 85 anos, afirma querer estar na lista dos 11 milhões de baianos e baianas que comparecerão às urnas no dia 2 de outubro, conforme estimativa do TSE. “É uma obrigação de cidadã, mas para mim é mais do que isso. É a minha oportunidade de fazer algum bem para o país”, declara, orgulhosa.

Natural de Nazaré das Farinhas, município localizado no Recôncavo Baiano, o aposentado Antônio Moreira, 70, conta que sempre fez de tudo para votar. Ele lembra que nem mesmo a distância conseguiu impedir o exercício da sua cidadania. “Já votei muito em trânsito quando estava viajando. Quando me mudei para Salvador, eu saí daqui para votar em Nazaré. Só não votei quando não houve condições”.

Entre os motivos que fizeram com que decidisse participar das eleições de outubro, Antônio destaca a importância de encontrar políticos melhores para o Brasil. Esse desejo, contudo, não é só dele. Iraci Libório, 71, mesmo sendo chamada de teimosa por um de seus filhos, está determinada a votar em busca de novos representantes. “Eu desejo que as pessoas escolham um bom governador e um deputado consciente. Eu quero saber de segurança, educação, saúde e emprego”, diz Iraci.

Esperança
Para Marlene Brito, 70, o voto sempre representou esperança. Quando se mudou para Salvador no início da década de 70, ela deixou o município baiano de Castro Alves para trás com o objetivo de emitir uma carteira de identidade e seu título de eleitor. Esses documentos eram, para ela, o passaporte para uma vida próspera que desejou que fosse construída na capital através dos estudos. No entanto, a aposentada relata que, no lugar de um sonho, enfrentou um período sombrio.

“As condições na época eram bem precárias. Sofri muito com a ditadura militar. Eu me informava através do rádio e ficava muito apreensiva”, conta Marlene.

Durante o período em que vigorou, entre os anos de 1964 e 1985, o regime militar foi marcado pela perda de direitos civis em ampla escala, incluindo restrições ao voto direto. Em comparação a esse passado, Marlene reconhece que o Brasil já avançou muito. Ela ressalta os avanços na luta pelos direitos das mulheres e pelos direitos civis como motivação para outras mulheres acima dos 70 votarem, mas divide com a juventude a expectativa de garantir e promover novas mudanças.

“Os jovens precisam entrar na política e investir em pessoas para que a submissão feminina acabe. As pessoas precisam ter dignidade, esperança e um Brasil novo. Eu espero que os jovens de hoje tenham um futuro melhor, porque o Brasil tem tudo para ser maravilhoso”, diz Marlene.

Motivada, ela conta que seu engajamento político aos 70 inspirou seus filhos e incentiva outras pessoas acima dos 70 anos a votar “Votem para as coisas melhorarem. Às vezes não é mais pela gente, mas é pelos nossos filhos, pelos netos. Não importa se tem 70, 80 ou 90. Enquanto estivermos aqui, temos uma missão, que é garantir o melhor para o Brasil.”, enfatizou.

Voto facultativo pode decidir a eleição presidencial

De acordo com os dados do TSE, atualmente, cerca de 23 milhões de pessoas têm a opção de voto facultativo no Brasil. Para o cientista político, João Lucas Pires, “o potencial existente nesse grupo para decidir a eleição é imenso”. Ele lembra que, nas últimas eleições presidenciais, Bolsonaro venceu o candidato petista Fernando Haddad por 10 milhões de votos no pleito de 2018.

“No atual período eleitoral, artistas, influenciadores e o próprio TSE realizaram campanhas para que jovens de 16 a 18 anos tirassem o seu título eleitoral. Isso aumentou ainda mais o contingente de pessoas votantes. Nas eleições de 2018, segundo dados do TSE, eram 20 milhões de pessoas na casa do voto facultativo. O que observamos agora é a entrada de 3 milhões de pessoas nessa categoria. Para além dos que ultrapassaram 70 anos, foi observado um aumento de jovens emitindo títulos”, diz Pires.

O cientista político explica que, entre outros fatores, o clima de politização existente no país, a insatisfação das pessoas com a crescente pobreza e o decrescente acesso à educação superior podem ter levado os jovens a decidirem participar das eleições deste ano. “O desejo de mudança dessa faixa etária e a própria ‘ânsia’ que existe no jovem de mudar o mundo está relacionado com o aumento da emissão de títulos eleitorais, além das campanhas de artistas, influenciadores e do próprio TSE”, avalia.

Com maior participação de jovens entre 16 e 17 anos, além de idosos acima de 70 anos, Pires ressalta a importância de cada voto. “Com a atual legislação eleitoral, o sistema de coeficiente barrou quatro possíveis deputados federais do PSL, em São Paulo, em 2018, por não atingirem o mínimo do coeficiente”, relembra. “Então cada voto hoje conta e muito”, enfatiza. Correio da Bahia