(Fernando Frazão/Agência Brasil)

Em relação aos demais estados do país, a Bahia teve menos candidaturas que Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo nessa eleição. Ao todo, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foram 776 inscritos para concorrer a deputado federal e 913, para estadual. Dessas candidaturas, 166 não receberam nenhum voto, foram indeferidas ou o candidato renunciou; e 14 foram a escolha de menos de dez eleitores, recebendo 0,01% dos votos válidos. Dessas 14 pessoas, oito concorreram à Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), e seis, à Câmara dos Deputados, sendo que uma, a candidata estadual Mary Barbosa (Pros) teve um único voto: provavelmente, o dela.

A baixa adesão do eleitorado a essas candidaturas tem várias explicações, mas o fato dos postulantes serem desconhecidos é uma das principais. Isso se justifica pela própria legislação. Em tese, qualquer pessoa pode ser candidata a cargo político. Para concorrer como deputado estadual ou federal no Brasil, por exemplo, é preciso ter nacionalidade brasileira, encontrar-se em pleno exercício dos direitos políticos, estar filiado a um partido político seis meses antes das eleições e ter idade mínima de 21 anos, dizem a Constituição Federal e a legislação eleitoral. Quanto mais anônimo é o candidato, sem experiência política ou recursos para campanha, maior a probabilidade dele não conseguir chegar ao cargo desejado.

Na história das 14 pessoas menos votadas em 2022 na Bahia, outro fator que chama a atenção é que, de todos os candidatos que receberam entre um e nove votos no domingo (2), 13 são mulheres e 11 se autodeclararam negros [pardos ou pretos].

O único homem — e o único a ter fornecido um site ou perfil em rede social —, Hamilton Pombal (MDB), de 59 anos, concorreu pela segunda eleição seguida a deputado estadual. Na de 2018, o candidato conseguiu figurar entre os suplentes. Desta vez, obteve somente sete votos.

A situação do emedebista no TSE, aliás, consta como ‘indeferido com recurso ou em prazo recursal’, por ‘ausência de requisito de registro’. Segundo o próprio, o problema foi há quatro anos, com a prestação de contas, já que ele não dispunha de contador. “Na oportunidade [em 2018], eu tinha que apresentar ao partido [MDB], que, naquela época, era bagunçado em todos os sentidos, essa conta”, disse Hamilton. Apesar de não ter renunciado à candidatura neste ano, o produtor de eventos revelou não ter votado em si mesmo.

“Eu não me manifestei a campanha toda. O que me assusta, nisso tudo, são os sete votos, porque eu não disse nem à minha mãe o meu número”, contou.

Natural de Ribeira do Pombal,  nordeste do estado, Hamilton  já tinha sido candidato a vereador pelo município, em 2004, 2012 e 2016, tendo conquistado vaga como suplente nesta última ocasião.

Candidaturas femininas 
Das 13 candidatas baianas à Alba e à Câmara que obtiveram menos de dez votos, apenas uma não prestou contas ao TSE. As demais, ainda que não tenham tido acesso a recursos, apresentaram os gastos de campanha. Com sete votos computados, a postulante a deputada estadual Naiara Santana, do Democracia Cristã (DC), foi quem declarou a maior quantia, R$ 8,4 mil de recursos líquidos, oriundos do Fundo Eleitoral, com despesa de R$ 6 mil para distribuição de material.

Em seguida, vem outra candidata ao mesmo cargo, Jaqueline Santos (PTB), que teve cinco votos, com R$ 5 mil recebidos do Fundo Eleitoral, porém sem nenhuma despesa apresentada. Por último, aparecem, juntas, as candidatas a deputadasfederal Jackie Tequila e Jocelma Camilo, do Partido da Mulher Brasileira (PMB).Elas obtiveram quatro e oito votos, respectivamente, além de R$ 508,47, cada uma, cujas fontes foram ‘outros recursos’, para prestação de serviços contábeis e jurídicos, também sem despesa alguma.

De todos os partidos a que estão filiados os 14 candidatos menos votados, apenas o MDB conseguiu eleger  políticos nesta eleição: os deputados estaduais Rogério Andrade e Matheus de Geraldo Júnior e o deputado federal Ricardo Maia.

Procurados, o Pros, o DC, o PTB e o PMB não deram retorno até o fechamento da edição, às 23h de ontem. A reportagem também tentou, sem êxito, obter mais dados do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA).

Desistência é provável razão, avalia cientista político

Segundo o TSE, os partidos têm liberdade para estabelecer os critérios que irão adotar para distribuir os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), ou Fundo Eleitoral, entre os candidatos. Devem ser observadas, contudo, as determinações da legislação eleitoral sobre a destinação de, no mínimo, 30% para candidaturas femininas e a proporcionalidade entre o número de candidatas e candidatos autodeclarados negros e os repasses a eles.

Para o cientista político Cláudio André de Souza, as situações listadas na reportagem podem se tratar de ‘candidaturas-laranja’, mas, para afirmar isso, seria necessário que elas fossem investigadas. “Então, eu vejo que esse número de candidaturas pode ser, de fato, de uma desistência, para compor a lista”, explica.

Cláudio André, que avalia que os valores envolvidos não são volumosos. “Quem, por acaso, quer fazer uma ‘candidatura-laranja’, R$ 8 mil é um valor baixo, que não vai, de alguma forma, decidir a candidatura [eleição] de ninguém”.

De acordo com o TSE, o número de registros feitos por mulheres (9.232) neste ano, assim como o de pessoas autodeclaradas negras (13.732), foi o maior de todas as eleições gerais. “A médio prazo, essa perspectiva de colocar mais pessoas negras e mais mulheres na política é algo que pode fortalecer a democracia, mas também merece uma vigilância por parte da Justiça”, diz o cientista político.

Além disso, a advogada Erica Teixeira, especialista em Direito Eleitoral, chama a atenção para o fato de os critérios para distribuição de recursos do FEFC ficarem a cargo dos partidos. “A mulher é desestimulada, direta e indiretamente, a ocupar esses espaços”, afirma ela, que aponta uma ‘falta de democracia intrapartidária’.

“Quem decide como esse dinheiro arrecadado, seja ele do Fundo Eleitoral ou do Fundo Partidário, vai se dar são os ‘donos’ dos partidos, e, via de regra, eles não vão apostar em algo que está mais arriscado”, conclui.

Os 14 candidatos menos votados

1 voto
Mary Barbosa (Pros), de Candeias, candidata a deputada estadual (não prestou contas);

4 votos

Jackie Tequila (PMB), de Valença, candidata a deputada federal (R$ 508,47, de ‘outros recursos’);

5 votos

Jaqueline Santos (PTB), de Salvador, candidata a deputada estadual (R$ 5 mil, do FEFC);

Nilmara Leal (PMN), de Salvador, candidata a deputada estadual (sem recursos);

Araly (PRTB), de João Pessoa (PB), candidata a deputada estadual (sem recursos);

Dai (PRTB), de Ribeira do Pombal, candidata a deputada federal (sem recursos);

Silvia Santos (PRTB), de Salvador, candidata a deputada federal (sem recursos);

Nane Santos (PRTB), de Salvador, candidata a deputada federal (sem recursos);

6 votos

Rose Santos (PMB), de Valença, candidata a deputada federal (sem recursos);

7 votos

Naiara Santana (DC), de Salvador, candidata a deputada estadual (sem recursos);

Geane Agrizzi (Pros), de Teixeira de Freitas, candidata a deputada estadual (sem recursos);

Hamilton Pombal (MDB), Ribeira do Pombal, candidato a deputado estadual (não prestou contas);

8 votos

Jocelma Camilo (PMB), de Itagimirim, candidata a deputada federal (R$ 508,47, de ‘outros recursos’);

9 votos Correio da Bahia