Foto: Jornal A Tarde

Um dia após ser divulgada que a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil pela morte de 64 pessoas em uma explosão de fábrica em Santo Antônio de Jesus, na Bahia, familiares e a defesa das vítimas consideraram a decisão como um marco histórico. A decisão da corte foi proferida no dia 15 de julho de 2020, durante o 135º Período Ordinário de Sessões, mas só foi tornada pública na segunda-feira (26), após considerar o cenário do ocorrido.

Nesta última terça-feira (27), dona Maria, que perdeu a filha de 14 anos na explosão comentou o caso. “Eu vim buscar o almoço e ela ficou. Quando eu meti a chave no meu barraco, a tenda explodiu. Naquele momento eu já sabia que minha filha tia morrido”, disse. “Eu acreditava [na condenação]. Nunca perdi a esperança”, completou.

A explosão ocorreu pouco depois das 11h do dia 11 de dezembro de 1998. Os homens ficavam em um local fabricando as bombas, enquanto as mulheres ficavam em uma área mais acima, amarrando os traques de pólvora. De acordo com as investigações da época, no momento da explosão, havia 1,5 tonelada de pólvora no local. Nos 20 anos da tragédia, parentes de vítimas e sobreviventes da explosão fizeram uma manifestação na cidade.

A mãe de Vitória França, de prenome Rosângela, que na época tinha 17 anos, morreu na explosão, quando estava grávida de cinco meses de Vitória. O fato da menina ter conseguido sobreviver com apenas cinco meses de gestação foi considerado um milagre, e Vitória se tornou o símbolo do ocorrido.

“Hoje, se eu tenho algumas sequelas é por causa da explosão. A explosão me trouxe muitas sequelas, mas eu, graças a Deus, estou em pé, viva”, disse Vitória.
Vitória perdeu a mãe naquele dia, mas ganhou outras duas. A madrinha, dona Ivete e sua filha Ivana, que tinha acabado ter um bebê na época e amamentou Vitória desde pequena. “A gente abraçou essa responsabilidade. Não só eu, né? Mas minha mãe”, contou Ivana Rodrigues, mãe adotiva de Vitória.

Na decisão, divulgada na segunda, a corte explicou que o Brasil validou a convenção americana de 1992, e desde então é exigido que o estado cumpra as obrigações nela contidas. Para a corte, no acompanhamento da explosão, o país violou os direitos das vítimas por não garantir acesso à justiça, a investigação e punição dos responsáveis, nem a reparação das consequências das violações de direitos humanos ocorridas.

Por isso, dentre as punições, determinou o pagamento de R$50 mil dólares em favor de cada uma das vítimas falecidas e sobreviventes da explosão da fábrica de fogos. A sentença também determina medidas de reparação às vítimas e familiares, como tratamento médico e psicológico estado tem o prazo de um ano para apresentar o tribunal um relatório com as medidas adotadas. Para a advogada que representa as vítimas da tragédia, a sentença é um marco histórico.

“Ela vai ser importante para outros casos, porque ela fixou parâmetros, elementos de quando uma ação estrutural vira uma violação para o direito a igualdade. Então, a gente espera que as cortes nacionais incorporem esses parâmetros e possam chegar a julgamentos mais justos quando a gente tiver lidando com coletividade alvo de uma exclusão e de uma marginalização histórica e estrutural”, disse Raphaela Lopes, advogada.

Justiça

Em 1999, o Ministério Público da Bahia entrou com medida cautelar para bloquear os bens dos responsáveis pela fábrica clandestina. Em 2013, foi fechado um acordo para pagamento de indenizações às famílias das vítimas, contudo o acordo foi descumprido. Em 2016, um novo acordo foi feito, mas segundo a promotora Aline Coutrim, só foi pago parcialmente.

“A gente teve que executar esse acordo, então incidiu multa, cláusula penal, e o valor chegou a R$ 1,7 milhão. Depois que o MP entrou com a execução, foi feito um novo acordo do qual foram pagas algumas parcelas. Foram pagos três depósitos, foi levado um bem a leilão, e hoje a gente ainda tem R$ 476 mil de débito que precisa ser quitado aproximadamente”, disse a promotora em 2018.

Na esfera criminal, oito pessoas foram a júri popular, no Fórum Rui Barbosa, em Salvador, no ano de 2010: Oswaldo Bastos Prazeres, o dono da fazenda, quatro filhos dele e três funcionários. Os funcionários foram absolvidos, enquanto Osvaldo e os filhos foram condenados à prisão em 2010, com penas que variaram entre 9 e 10 anos, por armazenar material explosivo de forma ilegal e produzir fogos de artifícios sem segurança.

Porém, até agora ninguém foi preso. Os réus recorreram da decisão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), que confirmaram a condenação, mas os réus ingressaram com outro recurso no STF. Os condenados alegam que teria havido descumprimento de direito à defesa. G1