EC Vitória

Com 71 anos, o técnico Geninho faz parte do grupo de risco da Covid-19 e está em isolamento na casa que mantém em Santos, no litoral de São Paulo, desde que o Vitória suspendeu as atividades na Toca do Leão, no dia 17 de março. “Fechei o apartamento em Salvador e vim pra minha casa, aí começou a quarentena. Todo dia levanto com a esperança de ligar a televisão e ver que encontraram um remédio para essa doença. Infelizmente isso ainda não aconteceu”.

A quinta passagem de Geninho pelo Vitória começou em setembro do ano passado, quando foi contratado para evitar que o clube fosse rebaixado à Série C do Campeonato Brasileiro. Sereno e conciliador, ele acalmou o ambiente na Toca do Leão, mostrou eficiência dentro das quatro linhas, cumpriu a missão e renovou o contrato por mais um ano. Nesta temporada, o desafio é conduzir o rubro-negro de volta à elite do futebol brasileiro, mas o planejamento está momentaneamente interrompido por causa da pandemia do novo coronavírus.

Por telefone, o treinador rubro-negro bateu um papo com a reportagem do Correio e analisou o atual cenário do futebol estadual e nacional. A extinção do time de aspirantes e a redução voluntária do próprio salário estão entre os temas abordados na entrevista que você confere a seguir.

Você acha que essa paralisação dos campeonatos vai atrapalhar o desempenho do Vitória? De que forma?

Acho que vai atrapalhar não só o do Vitória, mas de todas as equipes. Vamos ter uma paralisação anormal. Quando disputa o ano todo, você tem invariavelmente 30 dias ou 40, no máximo, e tem a retomada. Os jogadores até fazem jogos festivos e com três semanas de trabalho volta a se ter condição física e técnica ideal pra montar. Estamos parados há praticamente 30 dias, com previsão de mais 30, e uma interrogação muito grande de até quando vai isso. Eu acredito que isso vai se alongar para depois de abril. Se estiver um pico da doença em abril, vai ter estabilidade em maio e uma queda em junho. O prejuízo é grande. Não sei como os clubes vão conseguir cumprir seus compromissos. Já estamos vendo grandes patrocinadores dizendo que podem abrir mão. Times como Flamengo e Palmeiras, de repente, vão se ver em dificuldade. Imagine do porte do Vitória, times em Série B. Isso vai se refletir dentro de campo. É uma situação anormal, em que a grande interrogação é até quando vai a paralisação. A depender disso é que você vai ver como serão os campeonatos.

Teme que o calendário fique ainda mais apertado do que já costuma ser?

Eu acho que vai acabar acontecendo. A não ser que tenhamos surpresa. Todo dia eu peço para que esses cientistas encontrem um remédio pra isso. Vacina é mais longa, mas um remédio, para que quando a pessoa caia no hospital, tenha um remédio para que volte a ter uma vida normal. Hoje, quando o cara cai grave, ele não sai com vida do hospital. Acho que precisamos rezar para os pesquisadores. Quanto mais cedo nós voltarmos, mais tempo teremos para arrumar tudo e os prejuízos serão menores. Se essa paralisação se prolongar, você vai ter que mudar fórmula de campeonato e não vai ter data suficiente para manter os campeonatos da maneira que eles estão.

Você é a favor da manutenção da Série B do Brasileiro com 38 rodadas ou uma mais curta com mata-mata?

Acho que a Série B vai seguir o critério da Série A, já que tem mesmo número de clubes e rodadas. Estão falando em algumas hipóteses, como turno único com octogonal final, calendário europeu… Eu gostaria que tudo se mantivesse como está, se nós tivermos tempo, como é feito até agora. O calendário é bom, premia a equipe no campeonato todo, é simples, em termos de análise técnica é boa. Um turno só, você não vai jogar alguns jogos dentro da sua casa. Acho que a fórmula que a gente disputa não é ruim. Agora, não sei se vamos ter data para isso.

Você aceitaria que os jogos fossem repostos em dezembro?

Problema nenhum. As férias que seriam no final do ano já vieram para abril, nada mais justo que você trabalhe. Talvez paralisação só no Natal e Ano Novo. Muito provavelmente vai se encaminhar pra que a gente entre dezembro trabalhando.

Você acha que o Campeonato Baiano deve ser retomado?

Não sei se vai ter condição. Não falo nem só do Baiano, mas de outros regionais. Pra você consagrar um campeão, só se fosse turno e returno corrido. A partir do momento em que tem fase classificatória, não dá. Os campeonatos regionais estão numa situação bem complicada. Acho que o Baiano daria pra continuar, já que Bahia e Vitória estão disputando com equipes alternativas. Nesse caso, acho que não teria problema. Pela maneira como Bahia e Vitória estão encarando, acho que teria possibilidade de continuidade, mas o Paulista, por exemplo, as equipes principais estão disputando o campeonato e ainda tem fase classificatória. A maioria dos times, principalmente os do interior, fazem contrato com jogador até abril e, dentro dessa paralisação, quando terminar as férias de abril, essas equipes não terão nem condição de jogar, a não ser que tenham modificações. Envolve muita coisa. Nós estamos falando muito de hipóteses. Do jeito que está o mundo, hoje tá difícil falar do amanhã. A gente não sabe quando volta.

Você será o técnico da equipe no Campeonato Baiano caso o estadual volte a ser disputado?

Não sei, acho um pouco difícil. Aí teria que se ter uma decisão de qual equipe iria disputar o campeonato. Provavelmente, a sub-20 assumiria esse espaço. Algo pra pensar como aconteceria, mas acho difícil que eu comande, porque na retomada teremos três jogos por semana, porque não vai ter data sobrando e vamos ter muita data conflitante.

Você já definiu com a diretoria e comissão técnica quais jogadores do extinto time sub-23 serão aproveitados no elenco principal?

Nós acompanhamos bastante o time sub-23, alguns estavam alternando treinamento. Já tinham praticamente oito jogadores trabalhando comigo oriundos da base. Vários da base já estavam comigo e nós estávamos observando mais alguns para subir. Não sei como ficará o contrato desses jogadores. É um terreno que não intervenho. Alguns que já tinham trabalhado comigo, casos de Eron e Carlos. Alguns garotos até de baixa idade, que poderiam ser aproveitados. Tudo foi interrompido. Vai ter que ser conversado de novo.

O que você acha dessa proposta dos clubes da Série B de redução do salário em 25%?

Acho que todo mundo vai ter que reduzir salário. É uma coisa que não tem pra onde ir, tá claro pra todo mundo. Não é enganação, enrolação ou jogada que o clube está fazendo pra diminuir a folha. Estamos nisso em todos os setores, indústria, comércio. Fechando, demitindo, dando férias para evitar demissões, o governo tendo que ajudar. Esse é o caminho. Sei que ninguém gosta de reduzir salário. E claro que não se pode reduzir todos os salários dentro de uma mesma proporção. Acho que tem que reduzir mais de quem ganha mais, porque geralmente já tem um lastro. Todo mundo vai ter que se adequar a isso para dar ao clube chance de sobrevivência.

Diante desse cenário, como ficou o seu salário?

Tive uma conversa com o presidente (Paulo Carneiro) e eu tô abrindo mão de uma parte grande do meu salário. Vou ficar apenas com a CLT. Estou abrindo mão da imagem, que, no meu caso, é a parte maior. Não adianta eu querer forçar o clube a uma coisa que não vai ter condição de fazer. Todo mundo vai ter que cair num consenso em prol dos que ganham menos. Se o clube conseguir diminuir a folha de atletas e comissão técnica, que é o valor maior, vai ter mais condição de pagar funcionário que ganha menos. É hora de pensar em todo mundo. Lá na frente, quando as coisas retomarem, voltamos à normalidade. Correio da Bahia