Até onde a imaginação pode levar não é difícil concluir que o governo petista de Rui Costa na Bahia tenha estado no centro da crise que levou à demissão do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e posteriormente, dos comandantes das três Forças Militares no país, entre domingo e ontem.

Pela rapidez com que os pitbulls nacionais do bolsonarismo agiram no sentido de manipular o episódio com o PM morto na Bahia para tentar transformá-lo num herói da resistência ao toque de recolher no Estado, restou pouca dúvida de que o presidente da República pretendia usar o caso da Bahia para justificar a decretação do Estado de Sítio.

Por discordar da medida, com a qual Jair Bolsonaro já vinha acenando desde que a Bahia e mais dois Estados tomaram a medida para conter a pandemia, tudo indica que Azevedo deixou o cargo e, na esteira dele, os generais. São elementos que não deixam esconder que, no espaço curto de um dia, Rui esteve sob perigo e permanecerá na mira.

O governador baiano foi rápido na articulação, junto a outros 15 governadores, de uma carta denunciando a ação de autoridades federais para estimular motins de policiais militares nos Estados, contando, naturalmente, com a preocupação comum a todos eles com o risco do envolvimento das tropas das PMs no surto bolsonarista.

A agilidade pode ter levemente compensado a dificuldade do governador em se armar para a guerra de narrativas que emergiu nas redes sociais em que praticamente foi fuzilado sob a acusação de genocida, um adjetivo para o qual a figura do presidente da República tinha, até então, e, por causa da pandemia, prevalência.

Nelas, com o incentivo de gente como Bia Kicis, Eduardo Bolsonaro e Olavo de Carvalho, sequenciados por outras figuras do segundo escalão do bolsonarismo nacional, comerciantes, sobretudo lojistas, em dificuldades profundas por causa da ampliação das medidas restritivas, extravasaram seu ódio contra o governador.

Ele foi embalado pelas cenas violentas do embate entre o soldado Wesley Soares e os policiais do Bope, cujas imagens suprimindo o momento em que atacou a guarnição da PM vinham sendo deliberadamente usadas atendendo ao propósito de transformá-lo num mártir que foi morto porque se insurgiu contra o lockdown que destrói empregos.

Por este e outros motivos, não é implausível dizer que Rui foi até agora favorecido pela sorte – ou a fortuna – com o que aparece como desfecho da situação no Estado, tragada pela crise nacional que se sucedeu à demissão na Defesa, embora seu eco permaneça sendo manipulado na Bahia por políticos oriundos da polícia militar.

Um exemplo disso foi uma carreata realizada agora pela manhã em protesto contra a morte do policial que paralisou a Avenida Paralela, puxada pelo deputado Soldado Prisco (PSC), que, na falta de elementos profundos de insatisfação na tropa com temas funcionais, tenta esticar ao máximo o impacto do episódio de olho numa reeleição difícil.

Mais do que isso, busca, na Bahia, mesmo sem legitimidade histórica, se colocar como líder dos bolsões bolsonaristas hoje incrustrados não apenas na PM baiana, mas em unidades militares de todos os Estados, tema que mereceria uma reflexão de um governador cujo isolamento político local na crise de segunda até hoje ficou evidente.

Rui foi alvo de pouquíssimas manifestações políticas de apoio se levados em conta o tamanho da base e do consórcio partidário que lidera, no que aponta para o uso da situação pelos aliados como uma forma de demonstrar toda a sua insatisfação com um governo que atende pouco os correligionários e entrega cada vez menos.

Hoje, ele precisa agradecer a solução (ainda em curso) a uma retaguarda de confiança no comando da PM, representada pelo comandante Paulo Coutinho, cujo pouco tempo no cargo, tudo indica, vem sendo compensado pela trajetória respeitável na corporação, além da imagem de seriedade e, sobretudo, a demonstração de firmeza.

Espera-se que, junto a outros, como a habilidade para liderar num momento cuja dificuldade natural mentes iliberais tentam a todo custo e em todo lugar aprofundar, sejam atributos capazes de dissuadir contestações demagógicas e delírios ideológicos ou classistas. (Política Livre)