“Ela, com o coração gigante, foi sempre muito humilde, sempre cativante. Vai nos fazer muita falta e está nos fazendo muita falta”, diz Carla Daniela, amiga da policial militar Sylvia Rafaella Gonçalves Pereira, morta pelo ex-marido na segunda-feira (5). O crime ocorreu na cidade de Ibotirama, no oeste da Bahia. Sylvia Rafaella, de 37 anos, foi morta dentro da casa que morava com as filhas.

Uma com idade entre 3 e 4 anos e a outra, entre 11 e 12 anos. O ex- marido de Sylvia Rafaella, Edson Salvador Ferreira de Carvalho, 33 anos, também era PM e cometeu suicídio após assassinar a policial. “É difícil falar sobre essa perda porque foi uma tragédia que não tem explicação. Logo ela que defendia a bandeira do feminismo e foi vítima de feminicídio”, ressalta outra amiga de Rafaella, Cristiane Mineiro.

O velório e o sepultamento da policial ocorreram nesta última terça-feira (6) e foram marcados por homenagens dos colegas, que compareceram fardados e levaram coroa de flores. O enterro ocorreu em Bom Jesus da Lapa, cidade a cerca de 150 km de Ibotirama.

As duas filhas da policial militar estavam em casa com a mãe quando ela foi morta pelo ex-marido. As crianças foram resgatadas do imóvel por uma pessoa que ouviu os tiros, conforme informou o delegado que investiga o caso, Genivaldo Rodrigues. A identidade da testemunha não foi divulgada para preservar as investigações.

A polícia investiga se as crianças estavam no mesmo cômodo em que a mãe foi assassinada a tiros. Segundo a Polícia Civil de Ibotirama, testemunhas começaram a prestar depoimentos a partir desta tarde e, segundo o delegado, a filha mais velha da vítima também poderá ser ouvida.

Separação e medida protetiva

O casal estava separado, e o delegado não descarta a possibilidade de a vítima ter sido morta porque o policial não aceitava o fim do relacionamento. Ainda segundo Genivaldo Rodrigues, as investigações apontam que ele estaria se reaproximando de Sylvia Rafaella por causa da guarda da filha.

A polícia encontrou a moto de Edson Salvador na garagem da casa de Sylvia Rafaella, o que pode indicar que ela o deixou entrar na residência. Em julho deste ano, Edson já havia sido preso em flagrante por agredir Sylvia Rafaella, que tinha uma medida protetiva contra ele. Apesar da medida, Sylvia Rafaella tornou-se mais uma vítima de feminicídio na Bahia. Até setembro deste ano, já eram 77 vítimas em todo o estado.

Na Bahia, há unidades da Ronda Maria da penha em 22 dos 417 municípios. Em Salvador, a sede fica no bairro de Periperi. A equipe de reportagem da TV Bahia tentou falar com algum representante da Ronda para saber como são fiscalizadas as medidas protetivas em cidades em que o serviço não está presente, mas não conseguiu gravar entrevista.

Por meio de nota, a Polícia Militar disse que a operação Ronda Maria da Penha atua no acompanhamento dos casos de mulheres vítimas de violência com medida protetiva de urgência, que são encaminhados pelo Poder Judiciário, através da vara de violência e que, nas cidades que não têm Ronda, em caso de descumprimento da medida protetiva, a vítima deve fazer o registro do fato na delegacia local, além de se reportar à vara que expediu a decisão.

De acordo com a desembargadora Nágila Brito, presidente Coordenadoria da Mulher, mesmo nas cidades onde não têm comarcas judiciais a Ronda Maria da Penha é fundamental que as vítimas e testemunhas entrem em contato com o juiz responsável.

“Toda mulher que vá para uma Vara de violência doméstica está sendo passada a seguinte lição: Esta agora, é como se fosse sua segunda casa. Você tem que informar sempre ao juiz tudo o que está acontecendo em sua vida. Eu perguntei isso ao juiz da Vara e ele disse que não chegou nenhuma informação de descumprimento. Ou seja, quando ele efetivamente descumpriu, não sei se ele tinha descumprido outras vezes, mas o fato é que não chegou ao magistrado”, explicou a desembargadora.

Este ano, o número de medidas protetivas caiu, foram 10.615 até o mês de setembro, enquanto no ano passado, no mesmo período, foram 11.054. Não há detalhes de quantas medidas foram descumpridas, mas segundo a Justiça esse número cresceu durante a pandemia. “Houve um aumento durante a pandemia, muito descumprimento de medida e em alguns casos houve decreto de prisão”, concluiu Brito.

‘Digital influencer’ e homenagens

Sylvia Rafaella usava as redes sociais para falar sobre a rotina de policial militar e compartilhava dicas de estudo para passar em concursos públicos. Até a tarde de segunda-feira (5), sua conta no Instagram tinha mais de 67 mil seguidores. Depois da repercussão da morte, o número saltou para mais de 88 mil.

A agente se declarava apaixonada pela profissão e encorajava outras mulheres a também seguirem carreira militar. Sylvia Rafaella trabalhava na 28ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM).

Moradores de Ibotirama e policiais militares colegas da vítima prestaram homenagens. O grupo se reuniu em vigília na frente da 28ª CIPM. Por meio de nota, a PM informou que lamenta profundamente o ocorrido, que está apurando as circunstâncias do fato e dando apoio aos familiares. G1