Médicos da operadora de saúde Hapvida, a maior das regiões Norte e Nordeste, receberam um áudio de um dirigente da empresa com orientações para “aumentar consideravelmente” a prescrição de cloroquina e “fazer o convencimento” dos pacientes de que eles deveriam ser tratados com o remédio, sem eficácia comprovada contra a Covid-19. As informações foram publicadas pelo jornal O Globo.

“A gente tem uma luta muito grande nos próximos dias para aumentar consideravelmente a prescrição de cloroquina, o kit Covid, para garantir que a gente tenha menos pacientes internados”, disse o áudio gravado por um integrante da empresa e encaminhado pelo diretor da Hapvida Alexandre Wolkoff.

“Eu peço para vocês. A liderança de cada unidade, a diretoria médica, os regionais precisam liderar isso. A gente precisa subir a prescrição de cloroquina. Então, eu peço que vocês… não é só para Manaus, só para uma unidade ou outra, mas para todos as unidades, a gente (tem que) ter um aumento signiticativo da prescrição do kit Covid. Cada diretor médico da unidade é diretamente responsável por esse indicador”, complementou.

Em novembro de 2020, outro diretor da Hapvida da Bahia, identificado como Eric Morais, enviou uma planilha com a recomendação do “kit covid” em cada hospital do grupo. Em vermelho apareciam as porcentagens abaixo de 50% na receita dos medicamentos. Em amarelo entre 50% e 70%. Em verde os acima de 70%, ou seja, que bateram a meta.

“Preciso muito do apoio de todos vocês porque todas unidades ainda abaixo da meta”, alertou o diretor em mensagem enviada ao grupo. Em dezembro, ele voltou a insistir: “Para aqueles que tem como suspeita principal o Covid SEMPRE disponibilizem o kit Covid!”.

Em entrevista ao Globo, o médico Marcelo Galvão trabalhou na Hapvida até abril deste ano e disse que não entendia as cobranças por metas de prescrição do kit “Covid”. “Isso nunca existiu para nenhum tratamento ou medicamento. O errado é ser pressionado. O médico tem liberdade para receitar o que ele achar melhor”, afirmou.

De acordo com outros médicos, quem não prescrevia o tratamento precoce acabava entrando numa espécie de lista negra, que envolvia punições como advertência e mudanças na escala de plantão. “Tenho sofrido pressões para prescrição, inclusive com advertências referentes a redução de escala – relata um médico no grupo, em março de 2021 – É sabido que vários colegas saíram da rede devido à prescrição do tratamento precoce”, disse outro na mesma época.

Em nota, a Hapvida afirmou que, “no passado, havia um entendimento de que a hidroxicloroquina poderia trazer benefícios aos pacientes”. “Houve uma adesão relevante da nossa rede, que nunca correspondeu à maioria das prescrições, no melhor intuito de oferecer todas as possibilidades aos nossos usuários”.

Mas a companhia reiterou que a prescrição ocorria sempre durante as consultas e “de comum acordo entre médico e paciente, que assinava termo de consentimento específico em cada caso”. Com mais de 15.000 médicos e 7 milhões de clientes, a operadora atua hoje em todo o país, com mais de 250 estabelecimentos de saúde entre hospitais, centros de exame e clínicas.