Foto: Ares Soares/Unifor

A exatamente um mês para a prova do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), a estudante Anna Roberta Pires, 18 anos, intensifica a rotina de estudos visando o ingresso na instituição dos sonhos: a Universidade Federal da Bahia (Ufba). A soteropolitana é uma das 210.932 mulheres inscritas para a realização do exame no estado baiano, número que é quase o dobro de inscritos homens, que é de 113.351, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Desde que se conhece por gente – assim descreveu – a jovem tem um apreço pela Medicina, curso colocado em primeiro lugar na lista de opções quando ela tinha apenas 9 anos. Ainda menina, os amigos e familiares já notavam aspectos que levariam Anna a iniciar a caminhada para a profissão dos sonhos. “As pessoas ao meu redor sempre diziam que eu era muito boa em cuidar das pessoas, que eu tinha muita generosidade e gostava de ajudar e ouvi-las”, disse Pires.

Inicialmente, a intenção era cursar Psicologia, porque a ideia de prestar vestibular para Medicina a assustava. No entanto, a certeza veio depois de uma análise das próprias experiências com os profissionais de saúde. Diagnosticada com dermatite utópica, doença crônica que causa inflamação na pele e não tem cura, Pires não se sentia acolhida pelos médicos que a atendiam.

“Entendi que eu não queria que outras pessoas se sentissem da mesma forma, queria fazer a diferença, ser diferente na vida das pessoas, que elas tivessem mais auxílio do que eu tive. E por este motivo, também escolhi ser dermatologista”, disse.

Anna Roberta concluiu o ensino médio no ano passado, quando realizou a prova do Enem pela primeira vez. Neste ano, ela priorizou totalmente o cursinho particular nas manhãs de segunda à sábado, com direito a aulas extras quando necessário. Faltando apenas um mês para a prova, a expectativa da estudante é alta. “Sou sempre muito otimista, então minhas expectativas são as melhores, me sinto confiante, apesar de ter anseios e medos, coisa que eu acho normal para um vestibulando.”

Quem também sonha com a Ufba é Clarice França, 17, estudante do último ano do ensino médio. Sonhando com Jornalismo desde os 11 anos, essa será a segunda vez que vai prestar do Enem. No entanto, diferente do ano passado, quando fez a prova como ‘treineira’, o objetivo é alcançar uma nota que garanta o ingresso na instituição federal.

“Estou tentando cultivar os pensamentos positivos! Me sinto preparada, mas sei que o nervosismo que a prova gera é enorme, por isso também tento trabalhar o lado emocional, mas em resumo minhas expectativas são as melhores”, disse a vestibulanda, que concilia a rotina de tarefas do 3º ano do ensino médio com um cursinho particular pré-Enem.

Outra coisa em comum entre Anna Roberta e Clarice é a faixa etária. Ambas estão dentro do grupo dominante de vestibulandos que farão a prova. Ainda conforme dados do Inep, 60% dos candidatos têm até 20 anos: são 197.417. O levantamento também aponta que 76% dos inscritos se autodeclaram pretos ou pardos (247.713), 57% já concluíram o ensino médio (186.746), 27% pagaram taxa de inscrição, 22% foram automaticamente isentos (alunos do último ano do ensino médio em escola pública) e 51% tiveram declaração de carência aprovada (estudantes que fazem parte de famílias com renda per capita abaixo de 1,5 salário mínimo ou que estão oficializadas no CadÚnico).

Há quem já é estudante universitária, mas não vai deixar de prestar o Enem. É o caso de Éllen Oliveira, 22, aluna do quinto semestre de Criminologia da Faculdade Unopar. Ela sonha em cursar Psicologia na Ufba desde 2018, quando estava no último ano do ensino médio. “Sinto que não estou preparada o suficiente, mas não estou me cobrando de forma excessiva e sei que darei o meu melhor”, disse.

De fevereiro a junho, Ellen conseguiu seguir um planejamento de três horas de estudos por dia, de segunda a sábado. No entanto, por causa da sobrecarga do trabalho, afazeres domésticos e estudos, a rotina foi interrompida. “É difícil controlar a ansiedade, ainda mais na reta final. Vou tentar ir com pensamento positivo e sabendo que farei o possível”

Luta feminista

O ingresso da primeira mulher em uma universidade brasileira aconteceu na Bahia, em 1887, na antiga Faculdade de Medicina da Bahia (Fameb). O direito de cursar o ensino superior é relativamente recente e só foi conquistado pela luta do movimento feminista ao longo dos anos, o que contribui para o número de mulheres que priorizam a construção de uma vida acadêmica. Isso é o que aponta Darlane Andrade, professora do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Ufba e pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim).

“As conquistas vêm também com mudanças de perspectivas e transformações no papel da mulher na nossa sociedade que não fica mais restrito às funções domésticas de cuidado, e isso reflete no interesse pelo ensino superior, visando maior qualificação e melhorias nas condições de vida a partir da educação e do trabalho”, pontuou.

De acordo com a especialista, as desigualdades de gênero estão estruturadas na sociedade juntamente com as de classe, raça e outras que operam nas escolhas feitas por homens e mulheres no que desrespeito ao ingresso.

Em contrapartida, Andrade ressaltou que muitos homens não buscam construir uma trajetória profissional a partir da vida acadêmica por concepções estabelecidas na sociedade acerca da função masculina.

“Isso também é reflexo das desigualdades de gênero operando nas escolhas, possibilidades e oportunidade também para homens que não buscam a educação superior muito provavelmente porque precisam trabalhar e assumir o papel de provedor que essa cultura patriarcal espera dele”, concluiu. Correio da Bahia