Em meio a uma nova onda de covid, só dois em cada dez baianos (20,26%) tomaram a dose de reforço da vacina que previne o agravamento da doença. Os números são da Rede Nacional de Dados de Saúde (RNDS)* do Ministério da Saúde e preocupam bastante diante do registro da chegada da linhagem BQ.1 da variante Ômicron em circulação no estado. De 128 amostras coletadas nos meses de outubro e novembro pelo Laboratório Central de Saúde Pública da Bahia (Lacen-BA), a BQ.1 representou 32% deste total, conforme apontou a nova rodada de sequenciamento genético.

“Na verdade, a BQ.1 é uma sublinhagem da variante Ômicron que se apresenta com alta transmissibilidade, o que reflete no aumento dos casos de covid que nós temos observado. Ela carrega mutações na região spike do genoma viral, característica que permite que ela ‘escape’ com mais facilidade dos anticorpos neutralizantes adquiridos com a vacinação ou por infecções anteriores, explica a coordenadora de Laboratórios de Vigilância Epidemiológica (CLAVEP), Felicidade Mota. Ela alerta para a recomendação da conclusão do esquema vacinal e do uso da máscara nesse momento em que há circulação de uma cepa altamente transmissível.

“O uso da máscara é recomendado, principalmente em ambientes fechados aglomerações e transporte público, além de higienização das mãos, etiqueta respiratória e distanciamento social. É uma medida protetiva que tem se mostrado efetiva para conter a disseminação do vírus. O risco sempre existe visto que a pandemia da covid-19 não acabou. O vírus veio para ficar e haverá momentos que será necessário tomar mais cuidado para não se contaminar”, ressalta.

Ainda sobre a cobertura vacinal com base nas informações disponíveis na Rede Nacional de Dados de Saúde (RNDS), a segunda dose de reforço não chegou nem a 10% de quem estava apto a tomar (7,85%). E quanto a dose adicional, 1,36% foram imunizados, cerca de 456 mil pessoas. Até agora, mais de 77 milhões de brasileiros ainda não retornaram aos postos de vacinação para tomar a primeira dose de reforço. Cerca de 24 milhões, que deveriam tomar a segunda dose de reforço, também não se vacinaram, apontou o Ministério da Saúde. É consenso entre os especialistas que não dá mais para adiar a dose de reforço contra a covid-19, como insiste a médica infectologista, pesquisadora da Fiocruz, Fernanda Grassi:

“Nós sabemos que essa sublinhagem tem um número  maior de mutações justamente na proteína que é alvo de várias vacinas, então, o que ocorre agora é que, como ainda não temos a chegada da vacina bivalente prevista, seria interessante nesse momento voltar a utilizar  máscaras em locais com pouca ventilação. Porém, uma das coisas mais importantes nesse momento é completar o esquema vacinal. Aquelas pessoas que não se vacinaram devem tomar a suas doses de reforço, visto que, de qualquer forma, as vacinas atuais têm uma eficácia”.

O médico infectologista Antônio Bandeira concorda. “Essa subvariante mostra como o SARS-CoV2 vem rapidamente evoluindo em termos de novas mutações. Em pessoas vacinadas os sintomas são de uma gripe. Em não vacinados pode ser grave. Importante todos estarem vacinados e com reforços atualizados. E aqueles dentro de grupos de risco, usarem máscaras cirúrgicas ou N95, não mais as máscaras de tecido”.

As identificações da BQ.1 na Bahia foram em materiais provenientes de Salvador, Candeias, Conceição do Coité, Dias D’Ávila, Euclides da Cunha, Ilhéus, Lauro de Freitas, Mairi, Porto Seguro, Ruy Barbosa, São Sebastião do Passé e Simões Filho, municípios onde houve um crescimento bastante significativo.

Os genomas sequenciados correspondem em 100% a variante Ômicron, sendo 3,2% (4/128) da linhagem BA.1; 1,6% (2/128) da linhagem BA.2; 18,0% (23/128) da linhagem BA.4; 42,1% (54/128) da linhagem BA.5; 32,0 % (41/128) da linhagem BQ.1 e 0,8% (01/128) para cada uma das linhagens BE.1, BE.9, BF.33 e XBB.2. Além do sequenciamento feito pelo Lacen, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-BA) detectou mais três amostras com a BQ.1.

Dados monitorados pela Rede Análise Covid-19 mostram que, nos últimos 20 dias, a Bahia registrou 1.654 novos casos por dia, conforme destaca o cientista de dados e coordenador da rede, Isaac Schrarstzhaupt.

“Podemos ver que na tendência dos últimos 20 dias o crescimento é muito rápido. Ao mesmo tempo, se compararmos com as ondas pré-vacina, vemos que essa onda obviamente – e ainda bem – é menor. Por isso, não dá para deixar de tomar uma dose achando que “está tudo bem”, pois em ondas como essa é fundamental estarmos o mais protegidos possível”.

Sobre projeções para o aumento de casos, Schrarstzhaupt explica que é  bem difícil chegar a essa análise devido ao número de testagem muito baixo. “Além disso, muitos testes são os rápidos de antígeno da farmácia, que não são notificados. O que estamos vendo é provavelmente uma ínfima parte.  Hoje já temos armas que antes não tínhamos: vacinas, máscaras e conhecimento. Dá para combater e manter nossa vida”.

Fim de ano

A chef de cozinha Emanuele Barbosa começou a sentir os sintomas no último feriado. Coriza, dor no corpo. Parecia uma gripe chegando. Mas era covid, pela segunda vez. “Tive em março de 2021. Foi horrível na época. Senti os mesmos sintomas, mas bem mais tranquilo em relação a primeira infecção. A falta de ar e a pressão no tórax foi muito mais leve. Tomei todas as doses da vacina”, conta.

O marido e uma tia de Emanuele também pegaram, o que a fez decidir voltar a usar máscara. “Cerca de 10 conhecidos próximos pegaram. Ficou inclusive difícil descobrir de onde veio. Eu voltei a usar máscara, meus filhos tb. Como fim de ano só passo em família longe de festas, vou manter a máscara e higienização das mãos”.

Já no caso do jornalista Jamil Castro, durante todo esse tempo de pandemia ele testou positivo na última semana. “Era uma tosse seca mais não muito pesada e uma dor de cabeça que ia e voltava. Acredito que tenha sido em um evento porque sei que mais de uma pessoa também ficou com covid. Fui de máscara, mas chegando lá, conversando  com as pessoas, acabei tirando a máscara. Eu comecei a sentir os sintomas em uma sexta e fiz o exame na segunda. Fiquei surpreso em ter dado positivo, porque achei que era uma gripe, mas não entrei em pânico não, por estar vacinado. Estou contando os dias para essa quinta dose”.

Com o aumento dos casos em pleno fim do ano, muita gente deve estar se perguntando se isso pode comprometer as confraternizações de Natal e Ano Novo. A biomédica, doutora em neurociências e divulgadora científica pela Rede Análise, Mellanie Fontes-Dutra comenta que, na prática, a presença da BQ.1 entre nós, na prática, reforça o valor de manter uma boa vigilância em torno da covid.

“Ainda não sabemos quanto tempo pode durar essa onda e quais características ela terá em nosso país, mas será essencial que a família se organize para reforçar as medidas proteções antes e depois desses encontros para evitar a transmissão do vírus”, pontua.

A biomética afirma que ainda não há evidências de que a subvariante gere uma doença mais grave. “Os sintomas lembram muito sintomas gripais já vistos para a Omicron. Tomar cuidado com sintomas mesmo muito brandos, pois pode ser covid-19. No menor sinal de sintomas gripais, importante isolar-se e testar. Esses cuidados devem ser ainda mais reforçados para a população mais vulnerável para a doença causada por esse vírus. Fundamental sempre ponderar o risco dos locais e atividades para somar proteções”, completa. Correio da Bahia