EC Vitória

Os poucos cabelos brancos não o intimidam. Aos 36 anos, Osvaldo esbanja vitalidade atestada por números. O atacante participou de 30 dos 32 jogos do Vitória em 2023, mais do que qualquer outro jogador do elenco. Também é o garçom do time, com oito assistências, e vice-artilheiro, com cinco gols, só atrás do centroavante Santiago Tréllez, que anotou seis.

Revelado pelo Fortaleza e nascido na capital cearense, Osvaldo coleciona boas memórias e títulos em 17 anos de carreira profissional. Ainda quer mais. Destaque da atual Série B, ele almeja reconduzir o Vitória à primeira divisão e desfrutar dela em 2024 vestido de vermelho e preto.

Nesta entrevista exclusiva, o jogador falou sobre os investimentos que faz fora das dependências do clube para se manter em alto nível, a negociação para renovar contrato, os planos para aposentadoria, a tentativa de tocar violão, a paixão por uma modalidade de corrida off road e as metas traçadas para a Série B. Confira:

O que faz você ser tão produtivo nesse momento da carreira?

Pela idade e até por algumas contratações recentes que vieram e não corresponderam à altura, muitos ficaram com pé atrás, mas, na minha chegada, eu falei que iria fazer tudo aquilo que fiz nas equipes em que eu passei. Eu acho que o trabalho vence tudo e eu sou um cara que trabalho muito. No decorrer dos jogos, o torcedor realmente foi vendo que eu vim para jogar e vibrar junto. O torcedor hoje tem me abraçado de uma forma diferente e isso também faz toda a diferença. É lógico que tem o dedo da comissão técnica e dos jogadores, que me receberam muito bem. Hoje eu me sinto em casa e parece que estou no Vitória há vários anos. Minha família também está bem adaptada aqui em Salvador. Tudo corresponde para que as coisas deem certo dentro de campo. Sei me cuidar e para onde quero ir.

E para onde quer ir?

Cheguei com o Vitória numa Série B. Por 10 anos, eu joguei Série A e sei o quanto é bom, gostoso e gratificante estar numa Série A, jogando em alto nível. Eu quero colocar o Vitória na elite do futebol, assim como recentemente eu tive essa experiência no Fortaleza, que a energia do torcedor apaixonado é muito parecida. Eu quero muito jogar uma Série A ainda e me vejo jogando uma Série A pelo Vitória. Sei bem o que quero e espero que isso possa se tornar real no ano que vem.

Seu contrato acaba no final deste ano. A diretoria já sinalizou sobre renovação?

O presidente (Fábio Mota) já tinha demonstrado o interesse de contar comigo para o ano que vem, subindo ou não. Espero que, quem sabe, a gente possa sentar e resolver isso. O presidente está muito feliz comigo aqui no clube, o diretor de futebol (Ítalo Rodrigues) também. Eu me sinto muito bem aqui, acolhido. Sou um cara que no extracampo procuro passar algumas coisas para os mais jovens. Sou um espelho aqui dentro do Vitória para os mais jovens e espero que eu possa renovar o meu contrato aqui para continuar ajudando.

E se receber proposta maior de outro clube?

Para ser sincero, hoje eu não me vejo saindo do Vitória, até porque hoje o torcedor me abraçou de uma forma diferente, assim como foi no meu retorno para o Fortaleza, em 2018. Eu tive que sair porque já tinha um pré-contrato assinado para a Tailândia e acabei deixando a equipe na 6ª rodada da Série B. A equipe foi campeã e eu sentia que poderia ter ficado e ajudado também na campanha. E no ano de 2019 eu retornei jogando uma Série A, pela primeira vez classificando a equipe para uma Sul-Americana, que foi histórico, e no ano seguinte para uma Libertadores. Acho que dinheiro não paga algumas conquistas que a gente tem. Me vejo tendo essa mesma trajetória aqui no Vitória.

Você já pensa ou tem um planejamento de aposentadoria?

A gente planeja. Lá atrás, com 25 anos, eu pensava que queria me aposentar com 38 anos e, graças a Deus, eu nunca tive uma lesão séria para diminuir esses anos. Hoje, me sinto muito bem. Não tenho cirurgia, sempre treino sem dor. Vou indo. Enquanto eu ver que ainda estou rendendo, vou jogando. Minha esposa também quer voltar a estudar e eu também quero retribuir um pouco do que ela fez comigo lá atrás. Ela conseguiu concluir os estudos, mas tinha o sonho de fazer faculdade. Em 2018 ela começou, mas engravidou da minha filha e precisou parar. Agora ela está fazendo faculdade de nutrição à distância. Ela saiu nova comigo. Viajamos para os Emirados Árabes, depois Portugal, ela sempre esteve comigo. E eu penso um dia retribuir. Quem sabe parar um pouco antes daquilo que eu posso. Posso jogar até os 40, mas reduzir um ano ali para poder estar junto para que ela possa terminar a faculdade dela, pois ela também tem os sonhos dela. Esposa de jogar às vezes abre mão dos sonhos para estar com a gente, então um dia eu quero retribuir um pouco o que ela fez comigo. Aos 38 ou 39 anos, mais ou menos, nessa média, eu quero pensar em parar.

Você quer se aposentar em qual time?

Eu tenho uma história muito linda no Fortaleza.  Sou torcedor do Fortaleza, desde pequeno ia aos estádios ver os jogos, tenho um ídolo lá que é o Clodoaldo e eu ia ‘de pequeno’ assistir. Depois me profissionalizei no Fortaleza, tenho mais de 200 jogos, hoje sou um ídolo recente do clube. A gente planeja e muitas vezes os nossos planos não são os de Deus, mas eu tenho essa vontade de encerrar no Fortaleza, que é o clube do meu coração. Mas, antes, tenho plena convicção, confiança, que o Vitória vai voltar à elite do futebol e eu quero muito estar presente.

Já sabe o que quer fazer após se aposentar?

Quando parar eu quero agenciar atletas. Já tenho esse trabalho com um sócio e alguns jogadores nas bases. Quero aprender inglês, para viajar e ter um diálogo melhor quando estiver fora do país. Junto com meu empresário e sócio tenho atletas em alguns times. Não me vejo com perfil de treinador e diretor. Sou um cara que quero ajudar os mais jovens através da minha experiência e dos contatos. Eu sou um cara que tenho muitos contatos, com treinadores, diretores, então quero usar isso de uma forma positiva para que eu possa ajudar outros atletas.

Você agencia algum jogador na base do Vitória?

Não, ainda não.

No elenco do Vitória somente Léo Gamalho, com 37 anos, é mais velho que você. Pesa ser um dos jogadores mais experientes do grupo?

Peso traz porque quando eu era da base e via um jogador mais velho no profissional, gostava de estar perto. Hoje é um peso porque eu sou mais velho e se eu não for um cara profissional eu não vou estar passando exemplo, então isso pesa um pouco. Eu procuro ser muito espelho para os mais jovens, desde o Fortaleza, quando fui ficando mais experiente, procuro ser um cara mais espelho para quem está começando. Os moleques estão me chamando de coroa e estranho um pouco. Já? Um dia desses eu era moleque. O tempo voa demais. É mais o peso de ser um cara exemplo.

Como você se sente ao ver no espelho esses poucos cabelos brancos que já tem? Alguns jogadores pintam para parecerem mais jovens, você pensa nisso?

É uma sensação estranha. porque a gente vê que, por mais que na cabeça da gente não esteja ficando velho, quando se olha no espelho e vê um pouquinho de cabelo branco… Minha esposa gosta e diz que quer que eu seja um coroa de cabelo grisalho. Não penso em pintar, acho bonito, legal, diferente.

Você participou de 11 dos 12 jogos do Vitória na Série B. Como consegue essa regularidade sem se machucar?

No ano passado, eu atuei 40 e poucos jogos pelo CSA e tive um desgaste só muscular, nada grave, fiquei apenas fora de três jogos numa temporada. Aqui já são 30 jogos pelo Vitória sem lesão. Sou um cara que me cuido muito. Se a gente joga no domingo, na segunda-feira já tem um cara lá em casa fazendo os cuidados, massagem. Procuro fazer alguns serviços por fora. Lógico que aqui no clube tem profissionais muito capacitados, mas muitas vezes tem mais de cinco jogadores lá e não tem como dar aquela atenção, então, além de fazer no clube, eu procuro fazer uma massagem fora para acelerar na recuperação. Na parte de suplementação eu também invisto muito. A idade vai chegando e a gente tem que se cuidar. Na minha cabeça eu tenho um espírito jovem ainda, mas para o futebol muitas pessoas falam que já está velho. Na minha cabeça eu não estou, me sinto muito bem. Alimentação, descanso e suplementação são pilares fundamentais para que você possa ter uma sequência importante de jogos e uma recuperação para chegar bem no jogo seguinte.

Sempre foi disciplinado com alimentação?

De uns três anos para cá eu consegui ser mais regrado. Lá em casa é zero refrigerante, ninguém toma. Doce, às vezes, muito pouco. Eu procuro reservar um dia, geralmente no domingo, pós-jogo, pra tomar um açaí, comer um doce. Durante a semana eu sou muito regrado, procuro me alimentar muito bem. Esse tem sido um pilar muito importante. Antigamente, eu comia muita sobremesa e a minha recuperação demorava mais. Desde que comecei a ser mais regrado, vejo que a minha recuperação tem sido muito mais rápida. Eu tenho um nutrólogo por fora, que faz todo um trabalho comigo também.

Qual é o peso da família nesse momento da sua vida?

Quando eles estão bem adaptados e felizes, é importante, porque a gente viaja muito e está sempre em treinamento. Quando a gente viaja e sabe que eles estão bem adaptados, a gente fica mais tranquilo, mais relaxado para poder ir com a cabeça boa para os jogos. A família estando feliz, eu também estou feliz, e isso contribui muito para que eu possa desempenhar o meu papel dentro do clube. Salvador é muito parecida com Fortaleza, o clima, praias belíssimas e, por a gente ser nordestino, também facilitou na adaptação. Minha esposa gostou e se adaptou muito bem aqui em Salvador.

O que você gosta de fazer nas horas livres?

Em Fortaleza eu tenho um carro UTV (Utility Task Vehicle – veículo utilitário que é um meio termo entre carro e quadriciclo), que anda em praias e em dunas. Quando eu estava lá, esse era o meu hobby. Quando eu tinha folga, eu corria e pegava o meu carrinho. Era o que me tirava um pouco a tensão do futebol, o que conseguia me distrair. Não trouxe. Aqui eu jogo futebol e vídeo game com meu filho. Vejo filmes e não tenho muita paciência para séries. Já tentei aprender a cozinhar, mas não tive paciência. Também tentei aprender violão, mas com o tempo acabou dando preguiça. Mês passado contratei uma professora para aprender inglês, mas tudo muito corrido e acabei desistindo, mas quero voltar.

Como você olha hoje para o apelido Cristiano Osvaldo que ganhou no passado?

Pegou no São Paulo, quando eu assumi a titularidade em 2012, junto com Lucas, e eu fiz um gol muito bonito em São Januário, com as mesmas características do Cristiano Ronaldo, pedalando e dando uma chapada no ângulo. Desde aí o torcedor passou a me chamar de Cristiano Osvaldo. Pegou e até hoje, onde eu chego, os torcedores do São Paulo, nos aeroportos, quando me param, dificilmente chamam só Osvaldo. Foi um apelido muito carinhoso e que hoje o torcedor do Vitória também me chama nas redes sociais. É muito legal.

Qual é o jogador que mais admira atualmente?

Hoje é o Messi. Pela postura dele, por ser sempre muito regular e dificilmente jogar mal uma partida. É um cara família e focado. Ele é um exemplo a ser seguido, não só como jogador, mas como pessoa também.

E qual o time que mais gosta de ver do sofá de casa?

Do Brasil é o Flamengo, porque eu tenho muitos amigos no Flamengo. David Luiz é um irmão que eu tenho no futebol. Pedro e Ayrton são meninos que eu vi chegarem no Fluminense, são moleques que eu abracei na época, levei pra minha casa em Fortaleza, e hoje temos um contato muito legal. Filipe Luís joguei na Seleção, Rodrigo Caio. Tem muitos jogadores que são meus amigos. Vejo o Flamengo porque torço muito por eles. Fora, é o Real Madrid, um time que todo mundo gosta de ver. O PSG também com Neymar.

Como você enxerga essa demora para a definição do novo técnico da Seleção Brasileira?

É estranho. Acho que é a primeira vez na história que a seleção fica tanto tempo sem um treinador no comando. Muitos dizem de Ancelotti. Eu gostaria de ver um treinador brasileiro mesmo na Seleção, mas as coisas têm mudado muito. Muitos treinadores estrangeiros estão chegando no Brasil e conquistando, fazendo sucesso, caso do Abel, no Palmeiras. Espero que o mais rápido possível a gente possa conquistar esse título da Seleção (Copa do Mundo), porque vai adiando e o povo brasileiro, que ama o futebol, vai ficando agoniado. Espero que quem vier possa ser muito feliz na Seleção.

Como tem sido o assédio do torcedor do Vitória nas ruas?

Hoje, eu não consigo mais sair sossegado aqui em Salvador. Tem sempre torcedor que me para. Até torcedores do Bahia me param e dizem ‘sou Bahia, mas parabéns pelo seu trabalho, você joga muito’. A gente fica feliz pelo torcedor do rival vir cumprimentar. Muitos torcedores do Vitória me param na rua, em restaurante, que eu vou bastante com minha esposa, em shopping, que eu vou com meus filhos. Param, parabenizam, pedem foto. É muito gratificante. Tem coisa que o dinheiro não compra.

Você é o garçom do time na temporada, com oito assistências, mas ainda não deu passe justamente para Tréllez, que paga R$ 500 por cada um. Está na hora de ganhar esse pix?

Eu vejo ele comentando. O Tréllez agora começou a ganhar mais oportunidades na Série B, mas ainda não consegui dar nenhuma assistência. Consegui fazer alguns cruzamentos para ele, mas não foram concluídos em gol. Se fosse o Wagner Leonardo, eu já estava com um dinheirinho bom.

Você traçou metas pessoais para essa Série B?

Esse ano eu quero fazer 10 gols e dar entre 10 a 15 assistências, uma meta alta para um jogador que joga de lado de campo. Já estou com cinco gols, oito assistências e quem sabe posso aumentar. Para mim será importante.

O Vitória perdeu a liderança da Série B na rodada passada. O quão é importante se manter na liderança?

Estar na liderança é importante, mas eu vejo também o quão importante é estar ali entre os quatro primeiros. Eu gostaria de passar a Série B inteira em segundo lugar e, na última rodada, ultrapassar o primeiro e ser campeão. Do que passar a Série B inteira em primeiro e, nas últimas rodadas, perder a liderança e não ganhar o título. Isso é muito relativo. O importante é a gente estar sempre entre os quatro primeiros e não deixar o primeiro ou o segundo desgarrarem, estar sempre ali brigando com os quatro para que, nas últimas rodadas, a gente porra realmente focar bem, pegar a liderança e não largar mais.

O Vitória vai subir para a Série A?

A sensação que eu estou sentindo hoje é a mesma que eu senti em 2018, quando eu tinha assinado um pré-contrato para ir para a Tailândia e não tinha como ficar no Fortaleza. Eu senti que o Fortaleza iria subir e brigar para ser campeão. Estou com essa mesma sensação. A gente vai brigar até o final pelo acesso e pelo título. Espero conquistar esse tão sonhado acesso com o Vitória.

Correio da Bahia