Foto: Betto Jr. / Correio

As declarações do presidente Jair Bolsonaro possuem certo nível de radioatividade quando se deseja falar para um maior espectro de eleitores. Já para o chamado eleitor-médio que o colocou no Palácio do Planalto, pouca importa se conceitos como “honestidade” e “anticomunismo” estiverem presentes nessas falas. No entanto, essa lógica não necessariamente se repete para outros integrantes da classe política. Por isso é natural que aliados como ACM Neto (DEM) e João Doria (PSDB) tentem manter uma distância regulamentar. Só é difícil querer apenas o bônus de marchar lado a lado e fingir que não existe um ônus.

O prefeito de Salvador e presidente nacional do DEM formalmente não integra a base aliada de Bolsonaro. Todavia, ACM Neto tem orientado o partido a acompanhar o governo “em votações importantes para o país”. O DEM administra três ministérios, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, e foi o principal avalista da votação da fase inicial da reforma da Previdência. Queira ACM Neto ou não, é natural que haja a associação entre o partido e o presidente da República, mesmo que de maneira indireta.

Já o governador de São Paulo vive o embaraço de tentar criar uma distância fictícia entre ele e Bolsonaro. Depois do duo Bolsodoria em 2018, qualquer tentativa de se afastar do ocupante do Palácio do Planalto é uma guinada na estratégia de marketing para evitar um eventual naufrágio. Além de ser constrangedor, fala muito mais sobre a personalidade política de Doria do que de Bolsonaro – e até mesmo os mais críticos ao presidente admitem que autenticidade é algo que não lhe falta. O alinhamento entre o governador paulista e o presidente é automático sim e negar isso beira o insulto ao eleitor – algo até bem típico na cena brasileira.

É óbvio que tanto o posicionamento de ACM Neto quanto de João Doria, respeitadas as respectivas posições e importâncias, têm claras preocupações eleitorais. Se a onda conservadora preponderante na última eleição mantiver força nos pleitos municipais, eventualmente a aliança com Bolsonaro será fundamental para surfar nesse mar de possiblidades. Por isso, não vale a pena partir para o embate público direto. É muito mais esperto dizer que há discordâncias pontuais e seguir no barco, aproveitando a boa maré enquanto é possível.

O outro lado também não seria uma surpresa. Caso Bolsonaro patine na opinião pública, principalmente após sucessivas declarações desastradas, manter certo distanciamento é uma estratégia importante para evitar ser atingido por respingos. Então, ficar em cima do muro – ainda que neguem – é talvez uma zona confortável para aguardar as cenas das próximas eleições. Por isso os adversários vão insistir em atrelar as imagens de figuras como ACM Neto e João Doria a do presidente da República. É como se Bolsonaro fosse uma kryptonita possível de ter sua ação controlada, uma radioatividade que, em doses adequadas, não faz um mal tão grande. Por Fernando Duarte/Bahia Notícias