A reforma da Previdência, que começou a ser debatida nesta última terça-feira no plenário do Senado, dominou o noticiário econômico em 2019. Mas a preocupação com o sistema de aposentadoria não é algo exatamente novo no Brasil. Desde a redemocratização, em 1985, praticamente todos os presidentes manifestaram temores em relação às contas previdenciárias:

  • Em dezembro de 2016, Michel Temer afirmou: “Manter sustentável a Previdência brasileira exige induvidosamente uma reforma.”
  • Em janeiro do mesmo ano, Dilma Rousseff reclamou das aposentadorias precoces: “Não é possível que a idade média de aposentadoria no Brasil seja 55 anos.”
  • Durante discurso em 2003, Lula alertou as gerações mais novas: “Se o problema não for resolvido agora, fatalmente os jovens de hoje sofrerão amanhã as consequências.”
  • Fernando Henrique Cardoso também questionou, em 1998, a ausência de idade mínima: “Que país aguenta aposentadoria aos 49 anos?”
  • E Fernando Collor, em 1992, já temia o descontrole das contas: “O governo não lançará mão de fontes inflacionárias para fazer frente ao aumento de despesa da Previdência Social.”

Só que esse debate vai muito além dos governos da redemocratização. Na verdade, vai além da própria República – começa lá no Brasil império. Desde a independência, em 1822, o Legislativo brasileiro discute regras de algum tipo de aposentadoria.

“Entre 1826 e 1889, a Câmara dos Deputados e o Senado do Império brasileiro aprovaram 4,4 mil leis. Dessas, 1,5 mil eram especificamente dando aposentadorias, no caso do funcionário ter chegado a uma idade limite, ou pensões, no caso dele ter falecido, para viúvas e filhos”, explica o professor da Universidade Federal Fluminense, Luiz Saraiva.

Naquela época, o conceito de Previdência era bem diferente: o Estado concedia benefícios caso a caso, e só conseguia quem era influente. “Normalmente, esses indivíduos eram os principais funcionários públicos do Império. Quer dizer, desembargadores, juízes de carreira bastante consolidada, ex-presidentes de províncias, senadores, políticos em geral. Também muitos oficiais do Exército e da Marinha brasileira, principalmente nos períodos das guerras”, destaca Saraiva.

Para quem não fazia parte dos privilegiados, a forma de garantir segurança na velhice eram os chamados montepios: espécie de associação em que o cidadão pagava parcelas até o dia em que ganhava o direito de resgatar o benefício, ou deixar para a família no caso de morte. Um dos mais populares foi o Montepio-Geral, que cresceu tanto que começou a preocupar o Império.

A Globonews foi até o Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e conseguiu o documento original, que registra a conversa dos conselheiros de Dom Pedro II sobre a possível insolvência desse sistema, em 1883. É um dos primeiros registros da crise previdenciária no Brasil.

“Está exuberantemente provado que o defeito provém do erro de cálculo das tabelas fundadas em mortalidade, com certas idades inferior à que na realidade se verifica (…) e da conseqüente insuficiência das jóias e outras entradas dos contribuintes”, escreveu, no português da época, o conselheiro Visconde de Muritiba.

A saída encontrada foi a reforma do sistema. “Adotar nova tabela de jóias (….). Autorizar a diretoria a rever os Estatutos do Montepio Geral, a fim de propor as alterações que julgar necessárias (…) com toda a urgência possível”, foi o que propôs o conselheiro Jerônimo José Teixeira Junior. Mas a reforma chegou atrasada e o Montepio-Geral decretou falência três meses depois.

Ainda no Brasil Império, em 1888, a princesa Isabel assinou um decreto que regulamentava o trabalho dos funcionários dos Correios e, pela primeira vez, os brasileiros ouviram falar em idade mínima para se aposentar. O arquivo da Câmara dos Deputados tem uma versão da lei que diz: “São condições indispensáveis para obter aposentadoria ordinária: 1º, ter completado 60 annos de idade e trinta de serviço effectivo”.

Ao longo do século XX, o conceito de Previdência Social foi amadurecendo com leis como a Elóy Chaves, aprovada em 1923 e considerada por muitos como o embrião da previdência atual. Inicialmente aprovada para atender aos ferroviários aposentados, ela serviu de base para um número cada vez maior de categorias profissionais. Ainda assim, Previdência sustentável – do ponto de vista fiscal – nunca foi a regra no Brasil.

Por diversas vezes, as autoridades do país revisitaram esse problema. Em 1940, por exemplo, Getúlio Vargas baixou um decreto impedindo a concessão de aposentadoria a todos que não tivessem completado 60 anos. O objetivo era tentar reorganizar as contas dos fundos de pensão. A primeira Lei Orgânica da Previdência viria duas décadas depois, em 1960, e seria alterada 13 anos depois e outra vez em 1980.

Mas para o secretário de Previdência do Ministério da Economia, Leonardo Rolim, foi a partir da Promulgação da Constituição de 1988 que as contas da Previdência começaram a se desequilibrar de forma acelerada.

“Eu diria que da Constituinte até 1995, nós aprovamos proposições legislativas que criaram uma bomba relógio no nosso sistema. O primeiro foi trazer para o regime dos servidores pessoas que estavam antes no regime geral, que eram os celetistas das autarquias e fundações. Essa mudança triplicou o número de servidores que tinham esse sistema altamente privilegiado. Além disso, ela trouxe para o regime geral a aposentadoria rural. É algo extremamente justo e importante. Porém, não trouxe o custeio adequado para um sistema altamente deficitário. A receita da Previdência Rural é menos de 10% da despesa”, destaca Rolim.

Outro desafio do sistema previdenciário brasileiro é a velocidade de inversão da pirâmide etária. O economista da Fipe e especialista no tema, Paulo Tafner, afirma que o Brasil passou de país jovem para velho em apenas 48 anos.

“Países europeus, como Bélgica e Suíça, demoraram 150 anos”, compara Tafner. Com mais despesas do que receitas e uma população que foi envelhecendo rapidamente, a conta da Previdência foi para o vermelho: o buraco do INSS, que estava em R$ 1 bilhão em 1995, saltou para R$ 200 bilhões em 2018, em valores já corrigidos pela inflação, segundo dados do Ministério da Economia.

A atual reforma da Previdência, que caminha para ser aprovada no Senado no próximo mês, avança em questões importantes, mas não resolve o problema em definitivo, segundo Rolim. O secretário lamenta que o Congresso tenha desistido de incluir um mecanismo de reajuste automático da idade mínima de acordo com o envelhecimento da população.

“Os estudos indicam que essa expectativa de vida vai continuar aumentando e que, ao não ter esse gatilho, em algum tempo no futuro a gente vai precisar fazer uma nova reforma previdenciária para tratar da idade. No entanto, seria uma reforma mais simples, apenas com esse tema específico”, diz Rolim. G1