No último final de semana o humorista Tirullipa foi convidado para interagir na live em Fortaleza, com Wesley Safadão, Bell Marques, Léo Santana e Rafa e Pipo Marques. O evento fazia referência ao Fortal, que não aconteceu por conta da pandemia do novo coroanvírus. Contudo, para “homenagear” os ambulantes que trabalham nesses eventos, o filho de Tiririca decidiu usar blackface – prática que utiliza estereótipos para representar um povo – ao surgir como rastafári e foi acusado de propagar ideologia racista nas redes sociais.

Em um dos posts de maior repercussão foi o do professor de Salvador e militante negro, Alex da Bahia. “O racismo é multifacetado, não tira férias e pode estar nas mínimas coisas aparentemente despretensiosas… Ser homem negro no Brasil é conviver com uma série de estereótipos, que envolvem gênero, raça e classe social”, iniciou.

“Na representação do vendedor informal tinha que colocar uma peruca de cabelo rastafári pra associar ao ambulante, o valor do trabalho não é aferido pela ação braçal ou pelo capital intelectual, mas pela relevância a sociedade. Não é demérito ser trabalhador informal, o problema é sempre a construção do papel que é destinado aos trabalhadores negros na mídia estereótipos como porteiros, motoristas, secretários ou empregadas domésticas”, analisou.

Além disso, ele reforçou que Rastafarianismo é um movimento religioso judaico-cristão surgido na Jamaica, na década de 1930, entre negros camponeses descendentes de africanos escravizados. E que, por isso, não deveria ser usado como ferramenta de “humor”.

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Interpretações sobre os retratos dos afrodescendentes na mídia de massa: O racismo é multifacetado, não tira ferias e pode estar nas mínimas coisas aparentemente despretensiosas… Ser homem negro no Brasil é conviver com uma série de estereótipos, que envolvem gênero, raça e classe social. Não somos o padrão de beleza, nem o padrão de racionalidade e muito menos o padrão de homem de família ou de homens bem sucedidos, na representação do vendendo informal tinha que colocar uma peruca de cabelo rastafári pra associar ao ambulante, o valor do trabalho não são aferidos pela ação braçal ou pelo capital intelectual, mas pela relevância a sociedade, não é demérito ser trabalhador informal, o problema é sempre a construção do papel que é destinado aos trabalhadores negros na mídia estereótipos como porteiros, motoristas, secretários ou empregadas domésticas. Muito raramente associa-se um negro com algum papel de destaque ou protagonista, na live do Fortal não seria diferente. *Rastafári ou Rastafarianismo é um movimento religioso judaico-cristão surgido na Jamaica, na década de 1930, entre negros camponeses descendentes de africanos escravizados. #skol #fortaleza #fortal #Racismo #racismoNÃO #RACISTASNÃOPASSARÃO #bellmarques #wesleysafadão #bateriamoura

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Com a repercussão do caso, Tirullipa veio a público e pediu desculpas pelo ocorrido. Em vídeo publicado nas redes sociais, ele disse não ter consciência “sobre o que esse adereço poderia representar”. Em entrevista ao Bahia Notícias, Alex reforçou que o humor precisa de limite, até porque a sociedade vive amparada em leis.

“A gente se acostumou com essa linguagem que ridicularizava as minorias e isso cria inseguranças nas relações do dia a dia. Cresci vendo Mussum fazendo aqueles personagens estereotipados e sei o quanto isso abalava minha autoestima”, relembrou. Mussum foi personagem vivido por Antônio Carlos Bernardes Gomes em os Trapalhões, que virou sucesso na Globo.

“Não é possível que a gente luta para desconstruir o racismo e em uma live apareça a representação de subalternidade. Não é de hoje que ele [Tirullipa] vem mantendo esse tipo de humor e muita gente acha graça disso. É muito fácil fazer sucesso ridicularizando mulher, negro, nordestino. Mesmo sendo anônimos, temos que nos levantar contra isso”, enfatizou.

O educador disse ainda que entrou em contato com a ouvidoria da Skol, patrocinadora do evento, e a equipe ficou de fazer uma reunião com o setor de marketing da empresa e não soube informar se o contator do artista foi por ordens da empresa. “Até hoje não me deram um retorno da conversa”.

“Acho que a possibilidade do cancelamento levou ele a fazer essa reflexão. Espero que tenha sido realmente de coração a retratação. Mas pela conversa também percebi que ele não tem instrução, não é um cara antenado, que talvez tenha reproduzido por ‘achar engraçado’. É fruto do racismo estrutural. Ele pode até não saber, mas não é um homem branco”, pontuou.

Por fim, disse que propôs uma reflexão ao humorista ao questionar se “esta homenagem” não tem um recorte racial por qual motivo ele não escolheu uma peruca loira. “Não soube responder. Apenas disse que não tinha intenção”. (BN)