Foto: Fábio Silva

O total de pessoas cadastradas para receber a prevenção por meio da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), medicamento que previne a infecção do vírus HIV, aumentou 38% em cinco meses. O tratamento está disponível desde janeiro de 2018 no Sistema Único de Saúde (SUS). Desde então, 11.034 pessoas foram cadastradas, sendo 4.152 apenas entre janeiro e maio deste ano, de acordo com o Ministério da Saúde.

A “pílula anti-HIV” é uma combinação de medicamentos: tenofovir (300mg) + truvada (200mg). Ao tomar a dose diária, a pessoa se previne contra o vírus. Os grupos com maior risco passaram a ter acesso à PrEP na rede pública de saúde no Brasil: gays, homens que fazem sexo com outros homens (HSH), profissionais do sexo, homens trans, mulheres trans e travestis.

Em 2017, o Ministério da Saúde liberou a pílula para 7 mil pessoas, inicialmente. Foram priorizadas 12 cidades: Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Manaus, Brasília, Florianópolis, Salvador e Ribeirão Preto. A escolha dos locais acompanhava a maior incidência da doença. Depois, a PrEP foi ampliada para outras partes do Brasil.

A Profilaxia Pré-Exposição já era utilizada em outros países, como os Estados Unidos. Desde 2014, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a recomendar a prevenção para esses mesmos grupos. Estudos apontam uma taxa de eficiência maior do que 90%. Mais de 100 mil pessoas já tinham usado a pílula até o final de 2016.

Uso da camisinha

Desde a aprovação, alguns críticos à PrEP argumentam que há uma chance maior do sexo sem camisinha, o que aumentaria a incidência de outras doenças, como a sífilis. Esper Kallas, infectologista e imunologista, diz que alguns estudos mostram o contrário, já que os pacientes fazem um acompanhamento médico mais frequente.

Uma revisão de 21 trabalhos que somam quase 10 mil pacientes analisou se a PrEP induz à diminuição do uso de preservativo e a incidência de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). O estudo aponta uma variação entre as populações estudadas e que não houve um aumento significativo no número de participantes que não usavam camisinha – a conclusão é que os HSH já transavam sem proteção. Mesmo assim, há um aumento geral no número de parceiros.

“Os achados sugerem que a compensação de risco é mais proeminente entre HSM que já adotam comportamentos que os colocam em risco de contrair o HIV, o que apoia as diretrizes da PrEP”, diz o artigo.

Kallas explica que o uso do preservativo, apesar de ser uma alternativa, tem falhado no combate ao vírus HIV: no Brasil, desde 1980, temos uma média de 40 mil casos por ano, dado do Ministério da Saúde. No mundo, segundo a OMS, são mais de 1,8 milhão de novos casos anuais.

“O uso da camisinha não tem que ser uma obrigatoriedade, tem que ser uma opção. Lógico que a gente gostaria que todo mundo usasse a camisinha. Mas a gente também sabe que só essa política de uso da camisinha falhou, já que as infecções continuam aumentando”, diz o médico.

Sem estatísticas

Os gays e homens que fazem sexo com outros homens (HSM) são os que mais aderiram à medida no Brasil – foram 2.898 novos cadastros neste ano. Do outro lado, estão travestis, homens trans e mulheres trans, que representam menos de 5% dos usuários da PrEP. Desde o início de 2019, entraram no programa de prevenção 30 travestis, 162 mulheres trans e 10 homens trans.

Mesmo que esse número pareça pequeno, é difícil estimar se essas populações estão subrrepresentadas na política de prevenção. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as pesquisas demográficas ainda não contabilizam o número de travestis, mulheres trans e homens trans no Brasil.

O instituto argumenta que, na hora de fazer um questionário nas residências, uma única pessoa responde por toda a família – e muitas vezes não informa a existência de um integrante dessas populações. Além disso, parte dos homens trans e mulheres trans acaba entrando nos índices de sexo feminino ou masculino, pois o gênero é autodeclaratório.

“Essa política foi pensada para esse público por causa da prevalência do HIV, mas ao mesmo tempo faltou um investimento, um direcionamento da campanha para a própria política pública”, explica Bruna Benevides, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

Bruna mostra uma estimativa da própria Antra: esses grupos representam cerca 1,9% da população do Brasil. Ela questiona como os órgãos de saúde podem implementar políticas sem saber o número de indivíduos do público-alvo.

Além disso, ela diz que muitas vezes o público trans desiste de comparecer ao serviço de saúde do SUS “por não reconhecerem as particularidades” e sofrerem preconceito de alguns profissionais.

“Até pouco tempo éramos vistas como HSH. Inclusive é uma pauta do movimento trans. A PrEP é importantíssima para a prevenção, mas a campanha tem sido falha. Precisamos de uma campanha focada nos travestis, homens trans e mulheres trans”.

Kallas defende que é preciso entender melhor quais são as barreiras que impedem esse público de acessar os tratamentos. “O acesso à saúde pelas mulheres trans e homens trans no Brasil é muito pior que a população em geral. Elas carregam um peso social muito grande”.

O infectologista defende a criação de pontos de atendimento direcionados a essas populações, uma forma de diminuir o medo de ir ao médico devido ao preconceito.

No mesmo caminho segue o pesquisador Roberto Rubem da Silva Brandão, da Universidade de São Paulo, que pesquisa o uso da PrEP nesses públicos. Ele defende um processo de individualização: um ajuste do tratamento ou prevenção ao estilo de vida do paciente.

“Individualização no sentido de que a PrEP precisa se ater a necessidades específicas, e também a como o paciente expressa suas necessidades para o atendimento médico”, explica. G1