Foto: Marina Silva/CORREIO

Uma das maiores organizações criminosas do mundo, o Primeiro Comando da Capital (PCC), tem a Bahia como um potencial para suas transações. É o que acredita a policial penal do Mato Grosso do Sul e doutora em psicologia pela USAL (Buenos Aires/AR), Mônica Pinto Leimgruber, autora do livro “Primeiro Comando da Capital: PCC el grupo criminal brasileño de las cárceles”.

Ela esteve em Salvador para o Simpósio Atividade de Inteligência e Crime Organizado na Bahia, promovido pela Escola de Magistrados da Bahia (EMAB) e o Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público (CEAF). O evento foi realizado nos dias 5 e 6 deste mês, no auditório do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), discutiu o aumento da violência no estado e a necessidade de atualização dos conhecimentos dos operadores de Direito para enfrentar o crime organizado.

Em entrevista ao CORREIO, Mônica diz que uma das maiores organizações criminosas do mundo, o Primeiro Comando da Capital (PCC), tem a Bahia como um potencial para suas transações, fala o que é preciso ser feito para combater o narcotráfico no estado e como surgiu o primeiro grupo criminoso do país. Confira a entrevista agora.

1 – Em 2018, você fez parte do grupo de inteligência da segurança pública do Rio de Janeiro para as Olimpíadas. O que isso tem a ver com a Bahia?

“Na diretoria de inteligência, eu era da pasta do crime organizado e tinha acesso às informações de todas as organizações criminosas do país. A gente já pegava a questão do PCC aqui desde 2013. Naquela época, o PCC estava em áreas específicas, como Feira de Santana. Havia uma falsa ideia que o PCC não ia se estabelecer aqui, porque diziam que ‘baiano é desorganizado’, o que não é verdade. Atualmente, a Bahia, dentro do PCC, é chamada de ‘estado independente’. Ficou tão organizado aqui, eles não têm essa dependência do PCC São Paulo para fazer alguma atuação. Óbvio que essa atuação veio de cima, da cúpula, de São Paulo”.

2 – De que forma o PCC chegou à Bahia?

“Eles se instalaram aqui, mas não com o nome PCC. Como aqui tem muitas facções criminosas, eles não deram o nome de batismo para as pessoas que eram do PCC, mas fizeram essas cooptações daqui, que utilizaram o batismo delas mesmo. É algo muito inteligente, porque não aparace para os profissionais que cuidam da segurança pública, uma falsa sensação de que não estavam aqui. Demorou muito tempo para se perceber eles aqui na Bahia”

3 – Há anos que a gente escuta de policiais e delegados que o PCC fornece somente armas e drogas para a Bahia. É isso mesmo ?

“Não é só fornecer. PCC faz tudo. Não é só a questão da droga. Têm várias coisas envolvidas, garimpo, são donos de pedras preciosas, da questão de tráfico de crianças, de órgãos, não é só isso, armamento”.

4 – O que mais atraí as organizações criminosas de fora à Bahia?

“ A área portuária. O PCC tem muito disso, da transação, eles se tornaram a segunda maior organização criminosa transnacional do mundo, então, estão em 121 países. Por muito tempo, a gente ouviu falar sobre a ‘Rota Caipira’ (rodovias que cortam o interior paulista) e o Porto de Santos, mas acabam sendo áreas muito vigiadas. Aí, diversificam, começam agir no Ceará, principalmente porque Fortaleza tem um porto mais perto para se chegar à Europa. Quando fiscalização começa a apertar de novo, aí a Bahia passa ser uma área de muito interesse por que é a maior área de extensão marítima do país”

5 – Nos bastidores da polícia, fala-se que o PCC deixou a Bahia meio de escanteio para investir pesado no tráfico internacional, o que abriu espaço para a entrada no estado do Comando Vermelho (CV) e o Terceiro Comando Puro (TCP).

“ PCC tem a questão da expansão territorial, mas o Brasil é o segundo maior consumidor de drogas no mundo, só perde para os Estados Unidos. Aqui, sempre vai ser interesse de todas. Além da questão da área litorânea, a Bahia porque a maior festa popular do Brasil está aqui, o Carnaval. E o que acontece no Carnaval? Sexo, droga. Você quer um momento mais propício para uma organização criminosa lucrar ? Aqui vem gente do mundo todo consumir (droga) e triplica o número de  consumidores. É um estado altamente lucrativo. Ele tem um lucro do mercado interno e tem um lucro desse mercado expansionista”.

6 – Qual foi a primeira organização criminosa do país?

“Chegou aqui, na colonização. A Caravana de Pedro Alvares Cabral. Para se configurar uma organização criminosa, além de quatro pessoas ou mais, tem que ter um fim lucrativo, se reúne por dinheiro. Aí, Pedro Alvares Cabral veio com sua tripulação, formada por estupradores e ladrões, para furtar os índios, pegar o ouro, as pedras, tudo o que eles já sabiam o que era, mas que os índios não tinham noção, aí massacram esse povo, na tentativa de fazer escravos, mas não conseguem e os negros são trazidos para essa colonização toda. Então, a gente tem uma história muito ruim de nascimento de um povo, porque é uma mistura que se dá com muita dor, com essa noção de crimes cometidos. Então, culturalmente, a gente nasceu de uma colonização muito enviesada, já voltada para o crime organizado”

7 – Em junho deste ano, o traficante Raimundo Alves de Souza, o “Ravengar”, morreu aos 69 anos, em Salvador, decorrência de um problema relacionado à diabetes. Ele era um dos traficantes mais conhecidos da Bahia, tendo sido um dos grandes chefes do crime no estado nas décadas de 1990 e 2000. Quando ele foi preso em uma histórica operação da polícia em 2004, o tráfico pulverizou. Na ocasião, as extintas Comando da Paz (CP) e Caveira disputavam a liderança em Salvador. Essas duas organizações foram espelhadas em facções, inclusive com códigos de conduta. Como você ver isso ?

“Acho muito ruim mandar lideranças para outros estados. É notório que quem faz tudo isso não entende nada de sistema prisional, porque quando se tira de um lugar e manda para o outro, se transfere conhecimento e conhecimento é poder. Quando se adquire um conhecimento, há uma evolução no crime, naquelas cadeias, que passam a comandar em outros lugares. Enquanto os gestores não prestarem a atenção ao sistema prisional, nós estaremos sempre dez passos atrás das organizações criminosas”.

8 – A Bahia vive hoje uma onda de violência, o que é notório do país. O que você acha que levou o estado a tal situação?

“Tem relação com a fase negacionista de há um tempo. Quando se negou a existência disso tudo, se abriu espaço para a situação seguir adiante, sem uma política de enfrentamento. Aqui é um estado que tem uma polícia boa, o sistema de gestão prisional bom, porque o superintendente que tem muita noção do sistema, tinha tudo para dar certo. O problema de tudo isso é que precisa haver vontade política.

9 – É possível conter o controle das facções de alguma forma? Vemos exemplos do Rio de Janeiro, que até hoje não conseguiu fazer isso e as coisas só pioram por lá.

“A primeira forma é a ressocialização. Em outros países, o que está dentro da lei de execução penal é aplicado nas prisões. Você vai ter universidades lá dentro, fábricas com empregos, hospital de médio porte e uma pessoa por cela. Assim se quebra o vínculo dessas organizações criminosas. A segunda, é a retirada do celular. A comunicação é uma das ferramentas mais importantes do ser humano, outra forma de desmantelar as organizações. Em países do primeiro mundo, como os Estados Unidos, todos os presidentes são formados em ciência política. Então, os gestores que utilizarem o profissional, teriam todo o embasamento científico de como está a situação naquele local e assim propor uma política pública eficaz. Destaco também a participação do policial penal nas discussões”.

10 – Por que é importante o policial penal nesse debate ?

“Às vezes, eu escuto assim: ‘a equipe que está fazendo análise aqui é tal pessoa’, para falar no sistema prisional, mas a tal pessoa nunca esteve no sistema prisional. Eu já cheguei em locais de reuniões nacionais, de grupo de enfrentamento ao crime organizado, perguntei:‘ quem aqui é do sistema (prisional)’ ?’ Ninguém! Não tem ninguém que saiba mais que a polícia penal sobre o crime organizado. Enquanto estes profissionais não tiveram ocupando seus espaços, não vamos resolver essa problemática”. Correio da Bahia