Nas paredes, ficaram as marcas dos tiros. Além disso, restaram o trauma e a sensação de ter engrossado uma estatística indesejável: a dos templos atacados por intolerância religiosa. Já passava das 15h de sábado (27) quando policiais militares das Rondas Especiais (Rondesp) e do Pelotão Especial (Peto) chegaram ao Terreiro Ilê Axé Torrun Gunan.

 

O terreiro fica em Fazenda Coutos, à procura de supostos traficantes que teriam se escondido no local. Os PMs, de acordo com membros do terreiro, invadiram o espaço, atiraram quatro vezes contra a casa e entraram em um quarto considerado sagrado para os adeptos da religião.

 

Durante a ação, um ogã do terreiro chegou a ser detido sob a acusação de desacato policial. De acordo com o Ogã Eduardo Machado, 34 anos, havia oito membros do terreiro no momento em que os policiais chegaram à comunidade Morada da Lagoa, onde o templo funciona há 10 anos. Minutos antes dos policiais invadirem o espaço, filhos de santo e ogãs terminavam a construção de um quarto de visitas segundo informações do Correio da Bahia.

 

Eduardo conta que os membros do templo se assustaram com o barulho dos disparos que aumentava à medida que os PMs se aproximavam do terreiro. Ele estava tomando banho no momento em que um dos policiais entrou em uma área do terreiro chamada de Sabogi – entre o barracão e a cozinha.

 

“Escutei os 'pipocos' mas como, infelizmente, a região tem um poder paramilitar muito forte, é de costume que a gente se deite no chão quando isso (tiroteio) acontece, mas aqueles tiros eram diferentes, estavam mais próximos. Quando cheguei no Sabogi encontrei um policial armado”, conta Eduardo.

 

O policial acusava os membros do terreiro de dar proteção a traficantes da região. Ele teria exigido que um dos ogãs se ajoelhasse. Foi aí que Eduardo começou a questionar a abordagem policial. O policial, irritado, ainda de acordo com Eduardo, iniciou uma série de desacatos que, minutos depois, culminou em uma agressão por parte de um dos PMs.

 

“Eu falei que ele não tinha mandado policial para estar ali. Ele olhou para mim e disse: 'O que você quer? Cale a boca! Aqui é polícia'”, narra Eduardo. O Correio da Bahia esteve próximo à comunidade, mas, por recomendação de um dos membros do Terreiro, a equipe não foi até o local onde aconteceu a ação policial por questões de segurança.

 

Local sagrado
Eduardo conta ainda que chegou a enfrentrar o policial que, por vezes, ameaçou atirar contra ele. Após a discussão, o PM deixou o Sabogi, mas os membros do terreiro perceberam que um outro espaço – distante cerca de 100 metros dali – também havia sido invadido: a casa de Exu.

“É um quarto que é sagrado e só as pessoas que são iniciadas podem entrar. Eu fui pegar a chave para trancar e o celular para ligar para um outro irmão de santo e dizer o que estava acontecendo ali”, conta. Foi aí que Eduardo tomou um susto com as marcas dos tiros na parede da entrada do templo religioso – um próximo à porta, outros dois em duas janelas do tempo e o outro na casa de Exu.

 

“Tomei um susto. Sabe o que é estar em um lugar muito sagrado, olhar à sua frente e ver que está tudo furado de bala? Eu pensei 'Não acredito que eles fizeram isso. Como que alguém que é responsável por nos dar segurança é o primeiro a nos agredir?'”, desabafa.