Foto: Reprodução / TV Globo

Rio das Pedras, um bairro da Zona Oeste do Rio e reduto de retirantes nordestinos desde os anos 1960, é considerado o berço das milícias no Brasil. A comunidade, densamente povoada, loteada pela milícia e com centenas de construções irregulares, viu desabar nesta quinta-feira (3) um prédio de quatro andares. Pai e filha morreram na tragédia. Ainda não se sabe quem ergueu esse edifício ou era regular.

Nos anos 1980, no vácuo do poder público, um grupo de agentes de segurança se articulou para impedir que Rio das Pedras fosse invadida pelo tráfico de drogas. Rio das Pedras segue intransponível. Seu chefe, Maurício Silva da Costa, o Maurição, está preso desde a Operação Intocáveis.

Segundo o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), Fabrício Queiroz, ex-policial do Bope e ex-assessor de Flávio Bolsonaro, investigado no esquema das rachadinhas, “ainda mantém influência sobre o grupo criminoso”. Hoje, 2,1 milhões de cariocas (33% da população) vivem em áreas sob o comando de milicianos de diferentes quadrilhas.

As origens

Um dos fundadores da Associação de Moradores de Rio das Pedras foi Octacílio Brás Bianchi. Sem a presença do poder público, eles criaram as próprias leis. Nos anos 1980, sob o comando do inspetor de polícia Félix Tostes, os paramilitares articularam uma força de defesa contra investidas de traficantes de regiões vizinhas, como a Cidade de Deus.

Ao longo de 20 anos de violentas — mas frustradas — tentativas de invasão, o grupo de Bianchi e Tostes se expandiu, banindo a venda de drogas em Rio das Pedras e alardeando uma sensação de segurança.

No início dos anos 2000, o então prefeito Cesar Maia chegou a classificar a milícia como autodefesa comunitária. Anos depois, em entrevista ao jornal O Globo, Cesar afirmou que o termo não havia sido criado por ele, mas argumentou que as milícias eram, no mínimo, um mal menor que o tráfico para a realização dos Jogos Pan-americanos no Rio, em 2007.

A multiexploração

Essa autodefesa, porém, se transformou em um lucrativo esquema de exploração de diferentes atividades — sinal clandestino de TV e internet, monopólio na venda de água e gás e transporte alternativo, por exemplo — e sempre imposto com extrema violência. Quem não segue as regras ou é obrigado a sair ou acaba executado. Muitas vezes, o corpo nem sequer aparece.

Hoje, um dos maiores braços financeiros do grupo criminoso é a construção de imóveis irregulares. Segundo o Conselho Regional de Engenharia (Crea-RJ), a ação da milícia dificulta a fiscalização. Em 2019, dois prédios construídos de forma irregular desabaram na Muzema, a cerca de 3 km do local onde houve ocorreu o incidente nesta quinta (3), matando 24 pessoas. A suspeita é que os responsáveis pelos imóveis sejam ligados à milícia.

A ligação com Queiroz

O policial da reserva Fabrício Queiroz, denunciado pelo Ministério Público como o operador do esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro (Patriota), também é investigado por envolvimento com milicianos de Rio das Pedras.

Em um uma mensagem de áudio encaminhada pela mulher, Márcia, um interlocutor não identificado pede ajuda a Queiroz “para que interceda junto a milicianos em seu favor após ter sido ameaçado”, de acordo com o juiz Flavio Itabaiana, que havia pedido a prisão de Queiroz.

“Eu queria que, se desse para ele (Queiroz) ligar, se conhecer alguém daqui, (da comunidade dominada pela milícia da) Tijuquinha, Rio das Pedras, os ‘meninos’ que cuida daqui”. Queiroz respondeu à mulher que iria resolver a questão quando fosse pessoalmente ao local.

“Ô, Márcia, avisa a ele que é impossível ligar para alguém. Uma ligação dessa acontece de eu estar grampeado, vai querer me envolver em alguma coisa porque o pessoal daí vai estar tudo grampeado. Isso aí eu posso ir quando estiver aí pessoalmente”, disse. O MPRJ afirma que “Fabrício Queiroz comprometeu-se a interceder junto aos milicianos pessoalmente, demonstrando sua periculosidade por manter influência sobre o grupo criminoso”.

Assassinatos

Bianchi foi assassinado no fim da década de 80 e sua mulher assumiu a associação de moradores. Anos depois ela também foi assassinada. Tostes foi morto em 2007, com mais de 30 tiros. Na época, quem assumiu o comando da miliciana região foi o vereador Josinaldo Francisco da Cruz, o Nadinho de Rio das Pedras, que chegou a ser acusado pela morte de Félix. Nadinho foi assassinado em 2009. G1